Jornal Correio Braziliense

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Inviolabilidade do lar pode ser suspensa em caso de maus tratos a crianças

Esses casos podem ocorrer se houver denúncia, por meio do Disque 100

A inviolabilidade do lar não é absoluta em casos de violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes vítimas de trabalho infantil doméstico, informou nesta quarta-feira (12/6) o coordenador nacional de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Rafael Marques. Segundo ele, em casos de cerceamento de liberdade, maus tratos e exploração sexual desses jovens ; situações em que há, legalmente, a prática de um crime ;, a inviolabilidade prevista na Constituição é suspensa para que as autoridades possam entrar na casa.

;Nesse momento, a inviolabilidade é suspensa e a autoridade pode entrar no domicílio. Portanto, a casa não é absolutamente inviolável. Há situações em que ela acaba por propiciar a flagrância do ato de ilicitude e a respectiva responsabilização;, disse Marques.

De acordo com ele, esses casos podem ocorrer se houver denúncia, por meio do Disque 100, ; seguida dos devidos procedimentos, como a coleta de evidências e a verificação inicial de que há algum tipo de exploração de mão de obra infantil.



Legalmente, é considerado trabalho infantil toda prestação de serviço, remunerada ou não, no âmbito da casa da família ou de terceiros, em que a atividade traga prejuízos a outros direitos ; como o de ir e vir e o de frequentar a escola. Caso as atividades domésticas, na própria casa, sejam feitas de forma colaborativa com os demais membros da família e não prejudiquem outras atividades, ela é considerada lícita.

Atualmente, o trabalho infantil pode ser punido de três formas: por meio de responsabilização administrativa, em forma de multa aplicada por auditores fiscais; civil, por meio do pagamento de verbas contratuais rescisórias decorrentes da relação de trabalho e de eventuais danos morais (como constrangimento) ou materiais (como acidentes ou doenças); e penal, quando há violação de direitos fundamentais.

Para o procurador, é importante que seja mantida a proibição do trabalho doméstico a menores de 18 anos, prevista no projeto de lei (PL) sobre os direitos dos empregados domésticos que tramita no Congresso.

;Foi duro fazer vingar a proibição do trabalho a menores de 18 anos de idade no PL. Foi uma intensa articulação. Por alguns momentos, pensamos que o Brasil poderia retroceder nesse sentido, especialmente em um ano crítico como este [em outubro de 2013, o Brasil sediará a Conferência Global sobre Trabalho Infantil]. Seria vexatório;, explicou Marques.

O representante do MPT participou hoje da divulgação do estudo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), O Trabalho Doméstico no Brasil, e do lançamento da campanha Tem Criança que Nunca Pode Ser Criança, em comemoração ao Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.

Participaram do evento a secretária executiva do FNPeti, Isa de Oliveira; a presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva; a diretora-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Laís Abramo; e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), dos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e do Desenvolvimento Social (MDS); e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Para a secretária executiva do FNPeti, Isa de Oliveira, os resultados verificados no levantamento de dados são insuficientes. ; O Brasil é, no cenário internacional, uma referência, mas no, cenário nacional, é questionável. Nós somos capazes de propor estratégias, definir planos, mas estamos devendo em termos de uma execução que tenha resultados efetivos na vida das crianças;, disse Isa, sobre os dados dos últimos anos verificados pelo levantamento.

De acordo com a presidenta do Conanda, Maria Isabel da Silva, isso se deve, em grande parte, às dificuldades de fiscalização. Para Maria Izabel, há de se fortalecer os conselhos tutelares e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) para que os profissionais identifiquem o trabalho infantil doméstico.

Um dos pontos destacados pela presidenta do Conanda foi a revogação do Artigo 248 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - que estabelece que a pessoa que receber em casa um menor para a prestação de serviço doméstico deve se apresentar a um juiz para regularizar a guarda, ainda que haja autorização dos pais ou de responsável legal.

;Esse artigo não faz mais sentido se isso [trabalho infantil doméstico] não é mais permitido. Precisamos discutir isso no Congresso;, disse. Desde 2008, a execução de atividades domésticas por crianças e adolescentes é considerada uma das piores formas de trabalho infantil.