;Hoje, o negro não tem como não se revoltar. É fato que deram mais oportunidades ao filho do imigrante italiano, que era tão pobre quanto seus antepassados, do que deram para ele;, compara o historiador Bruno de Cerqueira, da Unicamp. E ele ressalta que o racismo nunca foi tão cruel quanto na República Velha, depois da queda da monarquia. ;Não havia código negro, como em outros países, mas o apartheid que se faz de forma institucional é ainda melhor do que aquele não declarado. O que se fez com os negros aqui foi, simplesmente, não dar oportunidades, deixá-los à margem, nas posições menos qualificadas.;
A ideia de inferioridade determinada pela cor da pele só foi questionada abertamente em 1932, com a publicação de Casa Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre. ;A sociedade brasileira é racializada. Quando o negro aparece em um restaurante de melhor nível, todos olham com surpresa. Isso é um fato;, assegura Carlos Sant;Anna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco.
Memórias da infância
Aqueles dias que antecederam a abolição da escravatura parecem, hoje, apenas registros dos livros de história. Mas pulsam vivos na memória de quem ainda guarda alguma relação com os acontecimentos da época. As irmãs Maria das Dores Andrade, de 97 anos, e Dalva do Nascimento, 94, são descendentes de quem viveu aquele período. ;Quando nós nascemos, a escravidão já tinha sido abolida, mas, até hoje, eu me pergunto se foi abolida mesmo;, questiona Maria. ;É claro que o progresso veio e muita coisa mudou, o país está mais humano, mas ainda sinto que as coisas precisam continuar mudando.;