Rio de Janeiro ; Militares perseguidos pela ditadura militar deram neste sábado (4/5) depoimentos à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em audiência pública na cidade do Rio de Janeiro. Entre os depoimentos de seis pessoas ouvidas hoje, o tom era de insatisfação com a aplicação da anistia aos militares punidos pelo regime de exceção que prevaleceu no país entre 1964 e 1985.
Os depoimentos ressaltaram que os militares punidos pela ditadura não tiveram a mesma anistia que aqueles que integraram o regime. As dificuldades vão da garantia de pensão para esposas e filhas até a possibilidade de ascender às patentes que companheiros de farda contemporâneos fiéis à ditadura conseguiram.
Além disso, eles reclamam que as Forças Armadas os continuam tratando de forma diferenciada, como se fossem militares de segunda classe. ;Continuamos discriminados e punidos. Não querem nos deixar voltar à condição de militar. Até hoje somos rotulados e mal recebidos nos quartéis. Você é olhado com desconfiança. Eles estão nos humilhando;, disse o capitão-de-mar-e-guerra Luiz Carlos de Souza Moreira.
Expulso da Marinha, quando era capitão-tenente em 1964, por trabalhar com almirantes leais ao então presidente da República João Goulart, Moreira disse esperar uma anistia completa, assim como os militares que permaneceram nas Forças Armadas. ;Eu quero uma anistia ampla, geral e irrestrita como tiveram os torturadores;, ressaltou.
Para Paulo Cunha, consultor da Comissão Nacional da Verdade, a anistia deveria apagar o passado desses militares, mas não é o que ocorre. ;Eles ainda são vistos como párias, como pessoas não muito bem vistas. Muitos deles não têm nem herdeiros para deixar [pensões]. Eles só querem o reconhecimento de um direito;, declarou.
A audiência pública de hoje também serviu para que alguns militares fornecessem informações sobre episódios antes e durante a ditadura militar de 1964, como a chamada Operação Mosquito. A ação visava a impedir a posse de João Goulart como presidente da República depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
Segundo relato do coronel-aviador Roberto Baere, o plano era impedir que o avião que trazia Jango de Porto Alegre para Brasília, chegasse à capital federal. O então tenente do 1; Grupamento de Aviação de Caça da Base Aérea de Santa Cruz disse ter recebido ordens do comandante da base, tenente-coronel Paulo Costa (já morto), para preparar os caças a fim de abater o avião do vice-presidente.
Baere disse que ele e três colegas se recusaram a cumprir a missão e pediram para não ser incluídos nos planos de derrubada da aeronave. ;Pedimos que ele não nos escalasse porque entramos nas Forças Armadas para defender a Constituição e não agredi-la;, declarou.
A decisão de um jovem oficial de pouco menos de 30 anos de idade, segundo ele, foi o motivo para a expulsão da Força Aérea três anos depois, já durante a ditadura militar. ;Fui sumariamente expulso, após 50 dias de prisão incomunicável, policiado na porta por um oficial portando metralhadora, como se fosse um marginal de alta periculosidade;, disse o coronel.
O suboficial Paulo Novais Coutinho foi expulso por se recusar a cumprir uma ordem superior, que, se levada a cabo, provavelmente ocasionaria um massacre. O então fuzileiro naval disse que, em 25 de março de 1964, foi enviado ao Sindicato dos Metalúrgicos, no centro da cidade, para dispersar uma reunião da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais, considerada ilegal pelo comando da Marinha.
;O Conselho do Almirantado determinou que os fuzileiros navais fossem reprimir a manifestação. Eu era da companhia de polícia, então fomos, um pelotão de 39 homens, para reprimi-la. Lá, a assembleia estava em sessão em apoio ao presidente constitucional do país, João Goulart. Ao recebermos uma ordem [dos superiores] para evacuar a reunião a qualquer preço. Isso resultaria em um massacre. Então, botamos a metralhadora no chão, entramos no sindicato e apoiamos o movimento;, relatou o suboficial.
Segundo ele, sua atitude lhe rendeu a expulsão do Corpo de Fuzileiros Navais e oito meses de prisão. Ele disse que ficou incomunicável por sete meses e chegou a ficar detido por 30 dias no porão de um navio adernado.
A posição do Ministério da Defesa é não comentar sobre o assunto.