A denúncia da adoção irregular de cinco crianças de uma mesma família de lavradores, do interior baiano para famílias de São Paulo, revela que a legislação brasileira está desatualizada e precisa ser revista. A opinião foi dada nesta terça-feira (30/10), em audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico e Pessoas, da Câmara, pelo promotor de Justiça, titular da Fazenda Pública do município de Euclides da Cunha (BA), Luciano Taques Guignone.
A crítica foi reforçada pelo juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo (BA), Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira. ;É óbvio que a sanção penal não pode ser de um a quatro anos para quem faz intermediação de uma criança para outra família, seja por guarda ou tutela. Esse caso mostra como a legislação brasileira está caduca nesse sentido;, criticou o juiz substituto do município onde moravam as crianças.
Para o promotor Luciano Taques Guignone, a legislação é omissa em relação a determinados casos de adoção, principalmente, como no ocorrido no interior da Bahia, onde, segundo ele, não houve, até o momento, a comprovação de pagamento aos pais. ;Como podemos enquadrar pessoas que não pagaram nada para as mães. Há uma lacuna penal. Caímos em um limbo penal, porque [os acusados só poderão ser enquadrados] há necessidade de comprovação do pagamento ou promessa de recompensa [para adoção]. Precisamos de uma revisão desse aspecto, que permita a incriminação sem uma paga direta;, ressaltou Guignone.
;Precisamos, em primeiro lugar, a tipificação dessas condutas. Hoje, a reprimenda penal para quem subtrai uma criança é a mesma de quem furta um celular, com pena de um a quatro anos. Com essa pena ninguém jamais irá para a cadeia;, frisou o promotor. Para o juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo, as quadrilhas que praticam o tráfico de pessoas são as mais ;perigosas; e mais complexas de ser desarticuladas, porque atuam com ;discrição; e ;astúcia;. Segundo ele, na maioria dos casos, essas quadrilhas usam o aparato estatal para dar legalidade aos processos.
;Ficou claro que houve o uso do aparato estatal para fins escusos. No nosso direito interno, doméstico, não há a menor adequação sobre o que se vê no direito internacional e o direito doméstico sobre a matéria;, pontuou o Guedes Pereira. Segundo Guignone, ;falhas graves; no sistema de garantias da criança e adolescente permitiram o adoção das cinco crianças em Monte Santo. Ele relatou que as quadrilhas que atuam em rincões pobres do interior do país contratam ;olheiros; que aliciam gestantes para convencê-las a doarem seus filhos.
;Verificamos, examinando o processo, algumas falhas formais. Mas o que nos preocupa não é o que está no processo, mas o que está por fora do processo. São pessoas trabalhando para facilitar a colocação de crianças em família, à margem do Estado, ou até mesmo usando o Estado;, disse o promotor. De acordo com ele, em muitos casos, a quadrilha consegue convencer as famílias pobres a assinarem declaração de doação. ;A princípio, quem verificar o processo vai achar que houve o respeito a legislação. Talvez, com algumas falhas, mas um processo legal. Transcorre com pequenas falhas, mas o que nos incomoda é o que está por fora. Verdadeiros empresários de crianças que aliciam famílias;, criticou o promotor.