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Em Curitiba, moradores de rua reivindicam medidas contra a violência

Curitiba ; O Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) promoveu nesta sexta-feira (17/8) em Curitiba uma manifestação em defesa de políticas públicas para as pessoas que vivem nessa situação no Paraná. O ato, que se repete em pelo menos mais quatro capitais, lembra os oito anos de uma chacina ocorrida na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 19 de agosto de 2004.

Na ocasião, sete moradores de rua que dormiam no centro da capital paulista foram mortos e oito, feridos. Desde então, o MNPR passou a adotar essa data como o Dia de Luta da População de Rua.

"Curitiba registrou neste inverno várias mortes de pessoas em situação de rua causadas pelo frio e por atos de violência, mortes que poderiam ter sido evitadas", lamentou Leonildo José Monteiro, integrante da Coordenação Nacional do MNPR.

De acordo com um levantamento realizado em 2008 pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Curitiba tinha, na época, 2.776 pessoas vivendo nas ruas, o que colocou a cidade na posição de capital brasileira com maior percentual de pessoas nessa situação em relação ao seu total de habitantes. "E o único albergue da prefeitura tem apenas 350 vagas, às 6h te dão um café e te mandam para a rua", disse Monteiro, em entrevista à Agência Brasil. "O albergue funciona quase como um [regime de prisão] semiaberto, não há portas de saída."

Em julho, três moradores de rua foram atacados em diferentes regiões de Curitiba em um intervalo de dois dias. Um deles foi agredido na cabeça e morreu. Outro teve o corpo parcialmente queimado e o terceiro foi esfaqueado. "Muitas vezes a pessoa que morre acaba sendo tratada como culpada, porque se alega que houve briga entre moradores de rua. Mas sabemos que boa parte desses fatos é, na verdade, crime de ódio", disse o coordenador do MNPR.

Entre as reivindicações do movimento está a implantação, pelo Poder Público, de casas de acolhimento que ofereçam acesso à educação, ao trabalho, a políticas habitacionais e a tratamento de saúde, além da instalação de comitês municipais e estaduais para tratar das políticas públicas específicas para a população de rua. A criação desses comitês é prevista pelo Decreto n; 7.053, publicado em 2009 pelo governo federal.

"No caso do combate ao crack, temos grande preocupação tanto com as formas de combate baseadas na higienização social, que não funcionam, quanto com as comunidades terapêuticas, que por vezes impõem suas religiões e violam direitos", observa Monteiro. "Defendemos os consultórios de rua, os CAPs [centros de Atenção Psicossocial] e as casas de acolhimento."

Morador de rua desde meados de 2006, Edson Luiz de Souza, 50 anos, conversou com a reportagem da Agência Brasil. Ex-assessor parlamentar e de uma prefeitura do interior do Paraná, ele passou a viver na rua após ter se separado da mulher, em 2004, e se tornado dependente de álcool e outras drogas. "Além de álcool, usava crack e cocaína. Agora, estou há um ano e oito meses sem usar drogas", disse Souza. "Fui guardador de carros, ganhava de 80 a 100 reais por dia. Chegava de manhã e eu não tinha dinheiro para comprar um palito de fósforo", lembrou.

Souza dorme no albergue da Fundação de Ação Social (FAS) da prefeitura de Curitiba. "O albergue é um barril de pólvora, geralmente está lotado e lá estão amontoados idosos, pessoas com deficiência, dependentes químicos e a população de rua", relatou. Durante o dia, ele participa de oficinas e se alimenta em um centro municipal de convivência, o único da prefeitura de Curitiba, capaz de atender 70 pessoas.

Nos últimos anos, Souza começou a militar no MNPR. "O movimento passou a me dar responsabilidade. Hoje, minha vida está modificada", avalia. "Não queremos mais contar os moradores de rua mortos ou feridos, queremos políticas públicas para que eles saiam dessa situação."



A manifestação em Curitiba ocorreu em frente a um imóvel do governo estadual que a Secretaria de Justiça do Paraná pretende transformar em um centro de referência paras atender aos moradores de rua e os catadores de materiais recicláveis. Ainda não há data para o lançamento do centro, que terá a participação do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).