A angústia de ter parte da família entre muros e ferros não é exclusividade das mulheres. Numa manhã chuvosa e fria de domingo, João*, 61 anos, esperava na porta do Centro de Referência a Gestantes Privadas de Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte, sua vez de visitar a filha Valéria*, 33, condenada por tráfico de drogas, e a neta de 2 anos.
João, agarrado ao bolo preferido da filha, parecia indiferente à chuva fina e insistente. Ele viajou durante 10 horas, desde Ribeirão Preto (SP), e voltaria no mesmo dia, às 22h, para não perder o serviço na segunda-feira. É pintor em São Paulo e pai de outros dois filhos. ;Apenas Valéria escolheu o caminho errado.; João é de poucas palavras, mas o corpo franzino mostra que tem vida dura de trabalhador e tristeza de ter a filha e a neta presas, drama de centenas de mulheres e crianças, como mostra o Correio Braziliense/Estado de Minas desde domingo nesta série de reportagens.
João era o primeiro da fila e pretendia ficar ao lado da neta até o fim da visita, às 16h. Parecia suportar tudo com resignação. Mas bastava perguntar o que ele sentia diante do destino da filha e da neta para fazê-lo chorar. E chorou como homem, em silêncio, mas as lágrimas desabaram sem controle. Em seguida, emudeceu. Foi socorrido pela abertura do grosso portão de ferro batido. A guarda, de pouca conversa, exigiu até mesmo a máquina fotográfica para evitar que sua imagem fosse veiculada. João foi embora, sem olhar para trás.
O pintor é uma exceção. Muitas das mães condenadas, além da falta de liberdade, são punidas com a solidão. O último levantamento do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, de abril, mostra que 41,8% da população carcerária feminina do Brasil é do interior ou da zona rural. Uma realidade estampada na fila da visita naquele domingo, na qual apenas três pessoas, além de João, esperavam para ver suas parentes. Um contraste, considerando que o centro abriga 60 mães e nove gestantes.
[SAIBAMAIS]O abandono também se repete em Cuiabá. Lá, a maioria das mães condenadas vem de cidades do interior, escolhidas como rota do tráfico de drogas por organizações criminosas. Outras, de regiões mais longe, como Manaus e países vizinhos (Bolívia e Paraguai). Nilza*, 23 anos, exibe uma barriga de oito meses e um abandono de mais de um ano. Ela engravidou no presídio, depois de uma visita íntima, quando o marido ainda ia vê-la. Ela conta que, quando ele soube do nascimento do filho, não voltou mais. Com olhos infantis, conta que a mãe cuida de um casal de filhos, mas a família vive no Alto Araguaia, a 800km de Cuiabá. Nilza se desespera porque já cumpriu a pena de dois anos por tráfico de drogas e continua atrás as grades. ;Não quero meu filho aqui. Vejo o estresse das crianças que vivem nesse lugar. O dia de visita, que poderia ser uma alegria, é o pior. Eles fecham o portão de ferro da única sala vazia onde as crianças passam o dia, e o calor se torna insuportável;, diz.
* Nomes fictícios