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Morte de cinegrafista no RJ reacende debate sobre a segurança no estado

O cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva, 46 anos, foi morto, ontem pela manhã, após ser atingido por um tiro de fuzil. Ele acompanhava uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) na Favela de Antares, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando foi alvejado durante um tiroteio. O crime, com repercussão internacional, coloca em xeque, segundo especialistas, a segurança da cidade que será palco da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Gelson usava colete à prova de balas, segundo a emissora para a qual trabalhava, mas o artefato não foi suficiente para impedir que o disparo atingisse o tórax do profissional. Na ação, mais quatro pessoas morreram ; todas criminosas, segundo a polícia ; e nove foram presas.

Conforme as imagens gravadas pelo próprio cinegrafista, ele acompanhava a operação atrás do PM Gomes, do Batalhão de Choque da Polícia Militar. ;O tiro que pegou o Gelson era para mim;, disse o policial. Os dois estavam próximos a uma árvore quando o cinegrafista foi atingido por um disparo, provavelmente de um fuzil AR-15. A polícia pretende usar as imagens feitas por Gelson para tentar identificar o autor dos disparos.

Além de Gelson, estava na região do confronto o repórter da TV Bandeirantes Ernani Alves, que não se feriu e se desesperou ao ver o amigo atingido. Outros jornalistas que também acompanhavam a ação policial se esconderam atrás de um muro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Rio, Gelson ainda foi levado a uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), onde chegou sem vida. A Secretaria de Saúde informou que foram realizadas tentativas de reanimação, mas não houve sucesso.



Algumas testemunhas afirmaram que o socorro ao cinegrafista demorou pelo menos 20 minutos, já que o tiroteio entre os criminosos e a polícia continuou. O enterro de Gelson será hoje, às 11 horas, no Cemitério do Caju. Ele era casado, pai de três filhos e tinha dois netos. Antes de trabalhar na TV Bandeirantes, foi cinegrafista no SBT, na Record e na TV Brasil.

O tiroteio em que Gelson foi morto começou por volta das 6h, no momento em que o Bope entrou na Favela de Antares para verificar uma denúncia sobre uma reunião entre traficantes. Depois do confronto, o Bope prendeu oito pessoas, entre elas um gerente do tráfico conhecido por BBC e seu braço direito, identificado como China. A operação resultou na apreensão de um fuzil AR-15, três pistolas, um 1kg de maconha, 100 papelotes de cocaína e mais de 520 pedras de crack, além de R$ 3 mil, nove motos e um celular.

Nota de pesar
Ontem, o Palácio do Planalto divulgou uma nota classificando o assassinato como uma tragédia. ;A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República expressa o seu pesar aos familiares, amigos e companheiros de Gelson Domingos;, diz o comunicado, ressaltando os riscos que correm trabalhadores de áreas semelhantes. ;O trágico episódio reforça em toda a sociedade o sentimento de gratidão e de solidariedade a todos os profissionais de todas as categorias que, como Gelson, arriscam-se em suas tarefas diárias em prol dos brasileiros.;

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também divulgou nota, ressaltando que a morte do cinegrafista foi mais uma demonstração de insegurança que atinge todos os brasileiros. ;A violência afeta a liberdade de imprensa e de expressão; o profissional morreu trabalhando para informar;, diz o comunicado. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por meio de seu presidente, Maurício Azedo, divulgou uma nota de pesar à família de Gelson e a seus companheiros de trabalho, e pediu mais segurança nesse tipo de cobertura. ;Embora reconhecendo que a atividade jornalística expõe os profissionais a graves riscos no Brasil e no mundo, a ABI considera necessário reiterar aos jornalistas e às empresas a necessidade de adoção de providências materiais e de procedimentos que diminuam os riscos de perda de vidas e de ferimentos de jornalistas no desempenho profissional;, afirma Azedo.

Profissional experiente
Segundo amigos e familiares, o cinegrafista Gelson Domingos da Silva tinha experiência neste tipo de cobertura e gostava do que fazia. ;Todo mundo tem temor de certas situações de trabalho, mas era a vida dele;, afirmou Ricardo, um dos cinco irmãos. Os colegas de profissão do funcionário da TV Bandeirantes estiveram, ontem, no Instituto Médico Legal (IML) para prestar a última homenagem a Gelson, a quem elogiaram pelo dinamismo profissional.


Lamentos e críticas pela morte

O Grupo Bandeirantes lamentou a morte do funcionário Gelson Domingos, 46 anos, por meio de nota. Segundo a empresa, o repórter cinematográfico, ;atingido no peito em pleno exercício da sua profissão, na cobertura de uma operação da polícia na Favela de Antares;, estava devidamente protegido. ;O funcionário estava de colete à prova de balas ; modelo permitido pelas Forças Armadas ; no momento em que foi baleado, mas foi atingido por um tiro de fuzil, provavelmente disparado por um traficante. A bala atravessou o colete;, afirma o texto. A Bandeirantes reiterou que ;toma todas as precauções para garantir a segurança de seus jornalistas nas coberturas diárias no estado do Rio;.

O presidente da Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro (Arfoc-Rio), Alberto Jacob Filho, afirmou que o assassinato do cinegrafista ;é mais um capítulo da trágica história da cidade do Rio de Janeiro, que nos deixa consternados e preocupados com o seu futuro e o da profissão. Está mais do que provado que o jornalista precisa se capacitar para esse tipo de cobertura e, quando julgar necessário, se recusar a arriscar a vida em situações como essa;. A Arfoc-Rio ainda clamou pela investigação do caso: ;Exigimos das autoridades de segurança do Estado do Rio de Janeiro que sejam tomadas as providências necessárias para apurar as circunstâncias que levaram nosso colega à morte e a prisão do autor do disparo;. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) também divulgou nota lamentando a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes. A entidade manifestou solidariedade aos familiares, colegas e amigos dele.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, por sua vez, afirmou, também por meio de nota, que ;vê com indignação; a morte de Gelson Domingos, que teria sido provocada por falhas na estrutura de trabalho oferecida aos profissionais da imprensa: ;É mais uma morte que resultou da falta de segurança em coberturas de risco no Rio de Janeiro;. Segundo o sindicato, os profissionais vão para as ruas submetidos a uma condição ;pífia;, incluindo a resistência dos coletes à prova de balas fornecido. ;O Sindicato dos Jornalistas já havia alertado os veículos e exigiu que o material (o colete) fosse analisado por especialistas do setor;, afirma a nota.

O sociólogo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Ignácio Cano critica a forma de atuação dos meios de comunicação. Para ele, o risco de se ter um profissional na Favela de Antares cobrindo a ação da polícia ontem não se justificava. ;A matéria iria mostrar uma situação que se repete, acontece rotineiramente no Rio de Janeiro;, explica. Segundo ele, qualquer cidadão está exposto e corre o risco de ser vítima de uma bala perdida, mas os veículos de comunicação expõem ainda mais seus funcionários, sem necessidade. Nesse caso, ele acredita que o erro não é da polícia, mas da imprensa. ;Não vale a pena;, completa.

Veja a imagem gravada pelo cinegrafista no momento em que ele foi baleado: