Jornal Correio Braziliense

Brasil

A dor de milhares de brasileiros quem têm parentes desaparecidos

[FOTO1]
De camiseta verde e calça jeans, Michele de Jesus da Conceição pediu para brincar na casa de uma colega da vizinhança. O percurso de cerca de 50m, tantas vezes repetido pela menina de 10 anos, parecia ainda mais calmo naquele feriado de Sete de Setembro. Diferentemente de todas as outras vezes, porém, Michele nunca mais voltou. Ela não chegou sequer à casa da amiga. Pai da garota, Gercino Bernardo da Conceição é um entre milhares de brasileiros que, neste Dia das Crianças, nada têm a comemorar.

;Não entendo como minha filha pôde ter desaparecido sem deixar um rastro. Tiraram um pedaço de mim, é muito doído;, diz Gercino, 58 anos, pai de mais três meninos.

Michele, que sumiu próximo de casa, em Ceilândia, em 2006, faz parte de uma estimativa alarmante. São 40 mil crianças e adolescentes desaparecidos por ano no Brasil, dos quais cerca de 15% nunca mais retornarão a suas famílias. Embora usada pelo governo, a estatística não pode ser comprovada porque o Cadastro Nacional de Desaparecidos, lançado em fevereiro de 2010 pelo Ministério da Justiça (MJ), nunca funcionou.

;Se o cadastro não estava apto para operar, por que o Ministério da Justiça o lançou? O que vemos, desde então, é um jogo de empurra entre a pasta e as delegacias;, critica Ivanise Esperidião da Silva, presidente da organização Mães da Sé, que, em 15 anos de existência, acompanhou cerca de 10 mil casos ; em menos de 30% houve a localização dos desaparecidos, entre crianças e adultos, vivos ou mortos. Ou seja, são cerca de 7 mil registros abertos, a maioria de São Paulo. Enquanto isso, no cadastro improvisado do governo federal, há menos de 600 casos notificados em todo o Brasil.

Responsáveis

O MJ limitou-se a dizer, em nota, que ;está em fase de conclusão; o Cadastro Nacional de Desaparecidos, passando a responsabilidade sobre crianças e adolescentes sumidos para a Secretaria de Direitos Humanos (SDH). A SDH, por sua vez, destacou os ;esforços; para a efetivação do registro, mas remeteu ao MJ a responsabilidade por sua implantação. Relatora da CPI de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, finalizada em 2010, a deputada federal Andreia Zito (PSDB-RJ) lamenta o tratamento dado ao tema. ;Se você perde um carro, é possível que o encontre em outro estado. Com as crianças, isso não vai acontecer;, critica.

Sem um local nacional para pedir socorro, a família de Wesley Icaro da Silva,11 anos, desaparecido há uma semana, apela para tudo. Depois de registrar a ocorrência policial, distribuiu cartazes do menino em vários pontos movimentados de Brasília. ;Duas pessoas ligaram, dizendo que viram meu irmão. Também recebemos uma mensagem de texto desejando boa sorte;, conta Kauane, 12. Como diariamente fazia, na última terça-feira, ela foi esperar Wesley voltar da escola, na Asa Sul, em uma estação do metrô perto de casa, em Taguatinga. Mas o menino não apareceu.

;Não sei mais o que fazer. Pelo cartão de ônibus, soubemos que a última movimentação dele foi em um ônibus para o Gama;, conta o padrasto de Wesley, João Bosco César Rezende, 54. Por um mito difundido muitas vezes pelas próprias delegacias, a família aguardou 24 horas para registrar a ocorrência. Uma lei de 2006, porém, determina a notificação e a busca imediatas de crianças e adolescentes, com acionamento de portos, aeroportos, polícias rodoviárias e companhias de transporte interestaduais e internacionais. ;Mas muitos delegados ainda resistem, quando sabemos que as primeiras 24 horas podem ser fundamentais. Não temos nada que comemorar no Dia das Crianças;, afirma Ivanise.

No DF

Levantamento do Governo do Distrito Federal com base em boletins de ocorrência mostra 1.234 casos de desaparecimento de crianças e adolescentes em 2010. As meninas são maioria ; 62%. Ceilândia e Planaltina concentram quase 30% dos desaparecimentos. Em 50% dos casos elucidados, o menor fugiu.

O que fazer

No DF, comunique o desaparecimento pelo número de emergência 190, onde você será orientado a registrar o boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. De posse do boletim, procure o Centro de Referência Especializado de Assistência Social de sua cidade e leve seus documentos pessoais, os da criança ou do adolescente, e uma foto, de preferência recente, do desaparecido. Não existe prazo para comunicar o sumiço.