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Impera dúvida sobre caso de idoso suicida que matou as duas irmãs em SP

Jaú (SP) ; O jardineiro Antônio Caldeira, 79 anos, foi trabalhar na última quinta-feira como se nada tivesse acontecido a semana toda. Obedecendo às ordens das patroas, ele aparou o gramado, cortou as flores murchas e molhou todas as plantas da casa número 648 da Rua Paissandu, no centro de Jaú. Mas todo mundo que passava por lá parava para tentar olhar o interior do imóvel. Ali, há uma semana, o economista aposentado Francisco Miranda de Almeida Prado, 59, matou as duas irmãs, Ana Carolina, 66, e Ana Cecília, 60, e depois se suicidou com um tiro certeiro na cabeça. ;Eles eram pessoas muito pacatas. Nunca imaginei que aqui aconteceria um crime como esse;, diz Antônio, funcionário do local há 25 anos.

O crime abalou o pequeno município de 130 mil habitantes, a 300km de São Paulo. A cidade é típica do interior, onde todo mundo se conhece, tem ruas estreitas e prédios antigos. Para o delegado-chefe do 1; Distrito Policial de Jaú, Euclides Salvaito Júnior, a tragédia na família Almeida Prado é a maior já registrada na cidade. É só abordar qualquer cidadão na rua para notar a comoção quando as mortes são mencionadas. ;A minha família está toda abalada. Minha mãe não dorme bem há uma semana;, conta o bancário Renato Zorato, 23.

A polícia de Jaú acredita que nunca vai saber o que levou Chico, como o autor dos crimes era conhecido, a matar as duas irmãs idosas. ;Como o inquérito será arquivado, já que quem matou também morreu, a tragédia ficará sem explicação;, sustenta Euclides. João Batista de Miranda Prado Neto, 52, único irmão vivo das vítimas, mora em Lençóis Paulista, cidade vizinha a Jaú. Ele disse, em depoimento, que Chico não bebia, não usava drogas nem remédio antidepressivo.



Dinheiro e religião
Mas basta dar uma volta pelo comércio vizinho à casa onde o crime aconteceu e passar algumas horas no Jaú Clube, no Centro da cidade, para entender, ouvindo histórias de amigos de Chico, possíveis motivos do brutal assassinato. Como Ana Cecília e Ana Carolina nunca se casaram, Chico acabou sendo tratado como filho por elas. As senhoras eram católicas fervorosas e ministras na igreja matriz. Ele, um bon vivant, que fez, na capital paulista, uma carreira de sucesso no Itaú, chegando a ser braço direito de Olavo Setúbal, dono do banco. Com dinheiro no bolso e prestígio no trabalho, ele passou a viajar o mundo inteiro, até perder o emprego após a morte do banqueiro, em 2008. A queda nos rendimentos o fez voltar para a casa quase 20 anos depois de ter saído.

No reencontro, Chico descobriu que as irmãs estavam ainda mais religiosas. A queda no padrão de vida fez, segundo amigos, com que ele desenvolvesse depressão. ;Como é uma doença que ninguém assume, ele dizia só para os íntimos. Não sei se estava tomando medicamentos. (...) Ele falava que não aguentava mais viver na casa das irmãs, mas a gente achava que ele tinha síndrome de perseguição;, relata Alfredo Pacheco, 58, sócio do Jaú Clube e amigo da família.

Chico bradava para todos os lados que não acreditava em Deus e fazia questão de levar essa discussão para dentro de casa. Uma briga nesse sentido ocorrida poucos dias antes do crime fez com que as duas decidissem parar de lavar as roupas do irmão.

Bebidas e reclamações
Dono do posto São João, onde funciona uma loja de conveniência, a uma quadra da casa dos Almeidas Prados, João Saggioro, 68, era amigo próximo de Chico e ouvia frequentemente reclamações do aposentado. ;Ele vinha aqui todos os dias. Sentava-se naquela mesa, tomava entre duas e três cervejas e ia para casa. De uns tempos pra cá, passou a comprar, além das cervejas, uma garrafa de 200ml de vodca;, relata o amigo, ainda abalado com o desfecho da história.

No dia da tragédia, Chico manteve o ritual. Foi ao posto do amigo ao meio-dia e pediu as cervejas. A atendente Miriam Francisco disse que não tinha a garrafa pequena de que ele gostava. ;Ele foi lá na prateleira e pegou uma garrafa de um litro de vodca. Começou a beber aqui e depois foi assistir ao jogo do Vasco e Corinthians;, relembra Miriam. Na volta para casa, Chico passou novamente no posto do amigo sem a garrafa de vodca. Lá, pediu mais uma cerveja, que bebeu no local, e levou duas em uma sacola. Seguiu para cometer o crime que deixou uma cidade inteira estarrecida.

Riqueza do café
A grande quantidade de fábricas de sapatos faz com que Jaú seja considerada a cidade brasileira dos calçados femininos. Mas o município construiu a sua história a partir da agricultura. Por volta de 1870, a cultura cafeeira solidificou-se no local, proporcionando o surgimento de uma elite de fazendeiros. O município tornou-se um dos mais ricos de São Paulo e as famílias que foram surgindo, como os Almeidas Prados e os Pachecos, figuravam entre as mais influentes do estado.