Três letrinhas viraram moda na área da segurança pública. Embora nem todo mundo saiba que o nome completo é Unidade de Polícia Pacificadora, todos se referem às UPPs, implantadas em favelas do Rio de Janeiro, como uma forma revolucionária de combate ao crime. Mas tudo o que se ouve falar sobre esse modelo, de volta às manchetes nos últimos dias, vem de políticos, de autoridades militares e civis ou dos estudiosos do tema. Pouco ou nada se sabe sobre a opinião dos policiais que têm contato direto com a população. Uma pesquisa apresentada à Polícia Militar do Rio de Janeiro começou a descortinar essa visão, mostrando que, apesar de todo o incenso em torno das UPPs, 69% dos profissionais se sentem insatisfeitos com o trabalho, 70% prefeririam atuar em outras unidades e 54,7% temem um confronto com o tráfico.
Os dados são parte do estudo Unidade de Polícia Pacificadora: o que pensam os policiais?, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes. Foram entrevistados 349 soldados e 10 cabos, entre novembro e dezembro do ano passado, das nove UPPs em funcionamento na época, que totalizavam 1.472 profissionais. Segundo Bárbara Soares, uma das pesquisadoras, a intenção é identificar a percepção dos policiais para pensar em ajustes na política de pacificação no Rio. ;Precisamos entender a UPP como um processo, por isso mesmo a pesquisa continua nos próximos dois anos;, diz.
O nível de satisfação no trabalho, de acordo com Bárbara, está diretamente relacionado à opinião apresentada pelos policiais sobre as condições de trabalho. Mais de 60% reclamam dos dormitórios, dos sanitários e dos salários. Sobre essa queixa, o coronel Robson Rodrigues, comandante das UPPs existentes, afirma que as futuras unidades estão sendo construídas em sedes melhores. A próxima comunidade a receber o modelo é a Mangueira. No Complexo do Alemão, uma UPP está prevista para março. ;Nas primeiras, temos dificuldades, de fato, porque há um passivo que é natural, por ser uma política recente;, afirma Rodrigues. De acordo com ele, a reclamação quanto ao rendimento é comum em todos os batalhões da corporação. O contracheque de um policial da UPP, considerando que 85% deles estão em início de carreira, é de R$ 1 mil. Eles recebem uma gratificação de R$ 500 por trabalhar na unidade, além de outras bonificações, totalizando algo próximo a R$ 2 mil, segundo Rodrigues.
Para o comandante, a vontade de mudar de unidade pode estar relacionada ao fato de a maioria dos policiais das UPPs ser jovem. ;São profissionais que estão começando e alguns entendem que precisam de adrenalina, não conseguem perceber que participam de um projeto que rompe com o velho paradigma da segurança no Rio, pautada no passado pelo confronto;, diz. Ele atribui também a essa visão a necessidade, manifestada por 94% dos entrevistados, de andarem com fuzil.
Especialista em segurança pública, Anderson Moraes de Castro e Silva considera fundamental trabalhar esse imaginário do policial, inclusive para melhorar a interação dele com a comunidade local. Para 27% dos entrevistados, essa relação é o ;pior; do trabalho na UPP. ;Essa resposta provavelmente vem de policiais mais antigos. Para esses, ir trabalhar nas UPPs é considerado um castigo;, destaca Silva. O coronel Rodrigues ressalta que, a partir dos primeiros resultados da pesquisa, algumas ações foram desenvolvidas. ;Além de treinamentos itinerantes, estamos fechando uma parceria para oferecer aulas de teatro a fim de ajudá-los na mediação de conflitos, briga de vizinhos, violência doméstica.;
Dias de tensão
Tumultos marcaram a semana de duas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro: Cidade de Deus e Complexo do Alemão. As confusões começaram no domingo à noite, quando PMs da UPP da Cidade de Deus brigaram com moradores e a sede da unidade foi apedrejada (direita). No Complexo do Alemão, no mesmo dia, também houve atrito com os militares da Força de Pacificação, que está preparando o local para receber uma UPP. Na terça-feira, moradores foram surpreendidos por um tiroteio. A segurança foi reforçada (esquerda) e autoridades informaram que traficantes tentavam retomar a comunidade. Um dia depois, uma outra briga na Cidade de Deus terminou com um rapaz machucado por um tiro de borracha disparado por um policial.