Fugir das filas nos hospitais públicos ou da dificuldade para marcar uma consulta médica aderindo a um plano de saúde é um ;luxo; com que poucos brasileiros podem se presentear. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 45 milhões de pessoas no país têm planos de saúde, ou seja, outros 145 milhões dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) -- que não é tão bem avaliado pela população. Dados do Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre saúde, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em fevereiro último, mostram que 71,1% dos entrevistados consideram os serviços da rede pública regulares, ruins ou muito ruins.
O estudo aponta ainda que 40% dos que usam ou já usaram planos de saúde consideram que ter maior rapidez para fazer uma consulta ou exame é o principal motivo para contratar uma operadora. No entanto, praticamente a mesma parcela, 39,8% dos usuários, queixa-se dos altos preços das mensalidades para garantir o acesso à rede privada.
Diante do cenário de altos preços cobrados pelas operadoras de planos de saúde, a hipótese de oferecer descontos, bonificação ou outros tipos de prêmio para beneficiários participantes de programas de promoção da saúde e envelhecimento ativo movimentou o site da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora de planos de saúde do Brasil, no último mês. O órgão abriu consulta pública sobre o assunto em maio e, até a última terça-feira, 14 de junho, havia recebido mais de 14 mil sugestões de pessoas físicas e instituições. Um número recorde, que fez a agência prorrogar o prazo para envio de colaborações até esta terça (21/6).
Segundo a gerente-geral de regulação assitencial da ANS, Martha Oliveira, a proposta não obriga, mas incentiva os usuários a fazer prevenção, e pode mudar o hábito que muitas pessoas têm de procurar auxílio médico apenas quando ficam doentes. As operadoras também saem beneficiadas porque os descontos tendem a atrair mais pacientes, além de gerar economia com diminuição do número de tratamentos; uma vez que os trabalhos de prevenção têm custo menor do que os procedimentos médicos realizados para doenças em estágios avançados. O reflexo também virá, de acordo com Martha Oliveira, na qualidade do serviço prestado no mercado. ;Vai se começar a disputar quem oferece o melhor cuidado em saúde, e não quem oferece o melhor cuidado da doença. (A sugestão) é a primeira sinalização para isso;, acredita.
A proposta da ANS é bem recebida por quem segue no contra-fluxo dos hábitos brasileiros como a arquiteta Graziela Miyagaki, que faz exames de sangue e de prevenção de seis em seis meses. ;Toda mulher deveria fazer prevenção anualmente. Eu faço de seis em seis meses porque tenho muita incidência de câncer na família;, explica a jovem de 28 anos, que faz questão de também praticar atividade física para ter uma vida saudável. Rômulo Magalhães, 24 anos, também gostou da ideia de poder ter descontos por cultivar os bons hábitos, e acredita que há benefício para ambos os lados. ;O plano de saúde também ganha com isso. Se a pessoa vai ao médico com o problema já avançado o plano vai ter um gasto maior, mas se ela se previne constantemente, consegue identificar a doença logo no início ou até mesmo evitá-la;, diz o administrador, que passou a fazer exames todo semestre depois que parou de fazer exercícios por um tempo e ficou com sobrepeso. ;Até brinco com os meus amigos falando que sou o mais pesado mas não tenho problemas. Já os que têm o corpo em forma têm pressão, colesterol altos;, comenta.
Depois de encerrada a coleta de sugestões, o documento final da proposta deve ser publicado em até três meses, segundo a gerente de regulação assitencial da ANS. Apesar de reconhecer a importância da ação de prevenção que a ANS propõe com a consulta pública, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) alerta que há diversas prioridades que ainda precisam ser analisadas pela agência reguladora. Entre os problemas que o sistema público de saúde enfrenta atualmente, cita o Idec, estão crescentes descredenciamentos, quebras de operadoras, constantes negativas de cobertura de procedimentos e aplicação de reajustes abusivos.
Qualidade dos hospitais será avaliada
O crescimento do número de reclamações recebido pela ANS revela que ainda há um longo caminho a ser percorrido para um atendimento de saúde de qualidade no Brasil. Dados da agência reguladora mostram que de dezembro de 2010 a abril deste ano, o índice que mede o número de queixas em relação às empresas que têm mais de 100 mil clientes duplicou, passando de 0,29 ponto para 0,62. O órgão teve 28.318 registros apenas no primeiro bimestre de 2011.
Apesar de receber e medir as reclamações das operadoras -- que em sua maioria são relacionadas a procedimentos não-cobertos --, a ANS não tem um indicador da qualidade assistencial dos hospitais. Na tentativa de preencher esta lacuna, a ANS lança, na próxima sexta-feira (24/6), uma nova consulta pública, para a implantação de um programa de monitoramento da qualidade dos prestadores. ;Hoje, o consumidor escolhe seu plano de saúde baseado na rede e considera mais marca e reputação do que critérios de qualidade. Esse programa visa a dar para mais poder ao contratar um serviço;, afirma Bruno Sobral, diretor de desenvolvimento setorial da ANS. O formulário eletrônico fica aberto para sugestões até 23 de julho e pode ser acessado por qualquer interessado no site da ANS (www.ans.gov.br).