Natal - Remuneração baixa, falta de valorização profissional e a alta demanda de pacientes são alguns dos fatores que estão gerando uma crise na pediatria do Rio Grande do Norte. Faltam profissionais no mercado. A carência pelo pediatra ficou mais evidente na última sexta-feira (22/4), quando o único hospital estadual de referência no atendimento infantil, o Maria Alice Fernandes, fechou a urgência por falta de médicos. A situação se estende às unidades privadas. Nesse domingo, a urgência pediátrica do Hospital e Maternidade Promater não funcionou por falta de profissionais. A Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Norte tem registrados 274 pediatras ativos em todo estado. A população potiguar, entre 0 e 14 anos, é de cerca de 700 mil pessoas, segundo as informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que resulta em uma média de 2.500 crianças para cada especialista do setor.
O presidente da sociedade de Pediatria, Nivaldo Sereno Noronha Júnior, afirma, no entanto, que não faltam pediatras. O que existiria, segundo ele, é uma remuneração ruim no próprio consultório e a desvalorização do profissional. " Está tendo uma carência de pediatras que atendam no consultório, porque os planos de saúde pagam em média R$ 34 por consulta com direito ao retorno.", aponta o médico. Ele reclama das condições de trabalho - como no caso de Maria Alice Fernandes, que tinha 300 pacientes por dia para dois médicos - e da remuneração paga pelo poder público. O município de Natal, por exemplo, paga a um pediatra R$ 600 por plantão, enquanto o mesmo profissional, quando associado à Cooperativa Médica (Coopmed), recebe R$ 970.
Para Nivaldo, a situação é crítica ao ponto de alguns hospitais terem leitos credenciados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e não funcionarem por falta de médicos. A ausência de profissionais no mercado é resultado das próprias escolhas dos estudantes durante o curso de Medicina, que quase não estão optando pela pediatria. A situação se repete no restante do país, como foi mostrado neste domingo pelo programa Fantástico, da Rede Globo. Em razão dos baixos salários, os estudantes estão fugindo da residência médica em pediatria. "O único lugar que não sobrou vagas foi no Hosped", diz o presidente da Associação de Pediatria do RN. Além da Hospital Infantil da UFRN, atualmente existe residência médica no Hospital Maria Alice e no Varela Santiago.
Jozana do Rosário de Moura Caetano, diretora geral do Hosped, ofereceu sete vagas para residência em pediatria e todas foram preenchidas. Porém, não nega que esteja faltando pediatras no mercado e que, tanto no serviço público como particular, as filas estão imensas. A unidade de referência faz cerca de 4 mil atendimentos ambulatoriais em diversas especialidade e, entre médicos e professores, são 45 profissionais. Mas, mesmo assim, precisa de mais médicos. "Há necessidade de pediatras especializados. Reumatologistas, temos poucos e psiquiatras também", alerta a diretora.
Maria Alice atenderá somente pacientes encaminhados
Quando conseguir completar a escala médica e voltar a atender urgências, o que ainda não tem data para acontecer, o Hospital Maria Alice Fernandes receberá somente casos de urgência e que sejam encaminhados por uam unidade de gerenciamento de vagas. O hospital que quiser mandar pacientes para lá, precisará informar-se antes sobre a existência de vagas. Antes de fechar as portas na última sexta, o hospital atendia 7.610 crianças por mês, sendo que, dessas, 48% podiam ser recebidas na rede básica. O secretário estadual de saúde, Domício Arruda, quer acabar com o atendimento de "portas abertas".
De acordo com a diretora médica do Maria Alice, Tereza Cristina Urbano, a escala médica para o funcionamento do hospital precisa ter 21 médicos. Desde 2010 a unidade vem enfrentando problemas para montar o quadro de funcionamento dos pediatras. Dos seis chamados no final do ano passado, quatro pediram demissão do serviço público e dois pediram redução da carga horária de 40h para 20h semanais. A unidade encontra-se, pelo menos até iniciar o próximo mês, com um intensivista e um médico de plantão na enfermaria.
Apenas transferências de casos graves estão sendo recebidas. Um aviso na porta do hospital avisa que a urgência está fechada. O secretário estadual de Saúde avisou que vai convocar os médicos do último concurso e vai tentar que eles se apresentem antes do prazo máximo de 30 dias.
Demanda também é maior que oferta na área privada
O fechamento do Hospital Maria Alice Fernandes deixou os poucos hospitais que atendem urgência infantil lotados. Na manhã de ontem, das 7h às 10h, no Hospital Santa Catarina, 32 crianças tinham sido atendidas e várias esperavam na recepção. Marta Gomes, que mora no bairro Nordeste, procurou o hospital porque o filho de seis anos estava com sintomas de virose. " Se eu for num posto de saúde, vai demorar uma semana o atendimento", reclama a mãe. De acordo com uma técnica de enfermagem, a quantidade de pacientes está muito elevada, tanto por causa do paralisação do serviço no Maria Alice como pelo surto de dengue vivido na cidade. " A situação está insuportável", declarou a servidora.
Mesmo que os pais tenham condições financeiras de pagar um plano de saúde para os filhos ou um consulta particular, os transtornos não serão menores. No último domingo a urgência pediátrica da Promater fechou por falta de médicos. Nessa segunda, reabriu com dois no plantão, assim como o Hospital Papi. Já a Prontoclínica Paulo Gurgel tinha apenas um médico na urgência infantil. Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos, Geraldo Ferreira, a situação é gravíssima no setor privado.