A intenção de organizações não governamentais e do presidente José Sarney (PMDB-AP) de renovar a investida contra o comércio de armas de fogo no Brasil terá caminho difícil no Congresso. A bancada financiada pela indústria bélica decidiu se armar contra a proposta de revogação do referendo que, em 2005, abrandou o Estatuto do Desarmamento ao derrubar o artigo que proibia a comercialização de armas de fogo. De acordo com levantamento feito pelo Correio, a chamada bancada da bala tem cerca de 30 representantes, entre senadores e deputados federais. Juntos, eles receberam doações financeiras durante a campanha do ano passado de R$ 2,77 milhões, vindos de empresas e associações ligadas à produção e ao comércio de armamentos.
A intenção de rever a decisão tomada por 64% da população brasileira em 2005 seria um dos pilares da Campanha do Desarmamento deste ano, que terá o lançamento antecipado de julho para o mês que vem. ;Vou tratar disso (revogação do referendo) na próxima reunião com os líderes dos partidos no Senado para ver se temos condição de votar imediatamente uma lei modificando o que foi decidido no referendo e fazendo outro referendo;, disse Sarney. A reunião de líderes do Senado está marcada para hoje.
Mas, de acordo com deputados e senadores que compõem a bancada da bala, a intenção de revogar o referendo segue uma lógica oportunista. ;Temos uma das leis mais restritivas e elitistas do mundo para armas de fogo. Nos últimos quatro anos, mais de 500 mil armas foram retiradas voluntariamente. O problema é que o Estado não consegue desarmar os bandidos;, criticou Onyx Lorenzoni (DEM-RS), campeão de doações recebidas da indústria bélica (veja quadro).
Na lista de agraciados com doações armamentistas está até a presidente Dilma Rousseff, que recebeu R$ 200 mil ; o diretório nacional do PT ganhou outros R$ 500 mil. No Congresso, a bancada do Rio Grande do Sul é a que mais recebeu doações de campanha: 12 deputados e um senador. A maioria das contribuições foram feitas pela fabricante Taurus e pela Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições.
[SAIBAMAIS]A força do lobby da indústria bélica, especialmente forte na Câmara, pode ser constatada também pelo número de projetos que circulam na Casa com o mote de abrandar o Estatuto do Desarmamento. São 17 em tramitação. Entre eles um que autoriza o uso de armamentos de fogo por inspetores e guardas de trânsito, e outro que dá isenção aos vigilantes no pagamento da taxa de porte de arma caso decidam adquirir um instrumento para fim particular.
Vendas aumentaram
Dados da Diretoria de Fiscalização de Produtos controlados do Exército mostram que, em cinco anos, houve um aumento de 81,2% na venda legal de armas em todo o país. De 2005 a março deste ano, 635.251 unidades foram comercializadas. Em 2004, um ano antes do plebiscito que debateu com a sociedade o assunto, 63.674 pistolas e revólveres foram vendidos. Com decisão favorável ao comércio, esse número saltou para 81.642 em 2006. Um ano depois, chegou a 133.754, sendo 19.541 no DF.