A madrugada de 10 de novembro do ano passado estava calma como costumam ser todas as outras na pequena cidade goiana de Cocalzinho, a 110 quilômetros de Brasília. Um vigia noturno, pago por comerciantes locais para tomar conta da Avenida São Paulo, circulava pela via que reúne o minúsculo centro financeiro municipal, formado pelo banco de uma cooperativa, uma casa lotérica e uma agência do banco Itaú, a única do lugar. Às duas horas da manhã, no entanto, oito homens divididos em três carros - um Astra, um Corsa Sedan e uma Fiorino - fecharam as duas pontas da rua com pneus, renderam o segurança e o colocaram, com a mão na cabeça, sentado na calçada. O alvo dos bandidos ficou ainda mais claro quando o vigia percebeu um enorme cilindro de gás e um maçarico na carroceria de um dos veículos: os caixas eletrônicos da agência. A ação levou pouco mais de uma hora. Os dois únicos policiais escalados para patrulhar a região de quase 20 mil habitantes foram avisados por vizinhos, que desconfiaram da estranha movimentação. Quando a dupla chegou, foi recebida com tiros de fuzis e escopetas. Armados somente com pistolas, os PMs, um deles ferido de raspão, foram obrigados a recuar. Os criminosos fugiram levando o dinheiro de um dos caixas. Cravada de balas, a única viatura que fazia a ronda noturna teve de ser descartada.
Esse caso é apenas mais um das centenas que vêm se repetindo nos últimos anos, especialmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. A segurança de pequenas cidades longe de grandes centros é feita por um efetivo policial reduzido e, muitas vezes, menor que a quantidade de integrantes de quadrilhas que atacam os locais. Quando episódios como o de Cocalzinho acontecem, os moradores desses municípios deixam de estar, ainda que por pouco tempo, sob a proteção do Estado e passam a ficar à mercê de um poder paralelo. O pânico é geral e a sensação de abandono e impotência, segundo vítimas dessas ações, deixam sequelas permanentes.
O borracheiro Delcio Bento Rodrigues, 45 anos, é vizinho da agência bancária de Cocalzinho. Ele conta que, no dia do assalto, a família foi acordada com o barulho dos tiros e os gritos dos bandidos. Acostumado à tranquilidade da cidade, diz que ficou horrorizado com tamanha violência. "Foi uma guerra no meio da rua. Era tiro para tudo quanto era lado. Depois que tudo isso aconteceu, eu até penso em deixar a minha casa por causa do perigo que é morar ao lado de um banco, mas, ao mesmo tempo, é muito difícil deixar o que construímos para trás", afirma Rodrigues.
Rotina de herói
Os tiros na Avenida São Paulo dão uma demonstração da força dessas quadrilhas. Enquanto as marcas nas paredes do lado em que os assaltantes estavam eram pequenas, causadas pelas armas de calibres menores dos policiais, o canto onde os PMs ficaram acuados exibe, até hoje, grandes rombos feitos por disparos de balas de fuzil e de calibre .12. Um integrante da polícia local que pediu para não ser identificado, por medo de represálias, reclama da desorganização na Segurança Pública e do sucateamento da estrutura das polícias.
"Estou falando de Cocalzinho, mas a situação é a mesma em outras cidades aqui em Goiás. Eu converso com colegas e as reclamações são sempre as mesmas. Aqui, na cidade, temos dois policiais militares e dois agentes da Polícia Civil para atender toda a região, incluindo a zona rural. Nossa delegacia funciona de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Se há um flagrante fora desse período, temos de ir à Águas Lindas, que fica a 60, 70 quilômetros daqui, deixando a nossa cidade ainda mais desguarnecida. Tudo isso sem falar dos nossos equipamentos e instalações. Os dois policiais que encararam aquela quadrilha são heróis. O confronto é totalmente desigual", explica o homem.
André Bottesini, delegado titular do Grupo Antirroubo a Banco, órgão ligado à Delegacia Estadual de Investigações Criminais de Goiás (DEIC-GO), admite a complexidade do problema e ressalta que essas ações criminosas são ainda mais complicadas de serem resolvidas em cidades fronteiriças. De acordo com ele, o caso de Goiás é ainda mais complexo por fazer fronteira com cinco estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia e Tocantins. "Quando esses assaltos são realizados em cidades isoladas e próximas a outros estados, com certeza, tudo fica mais difícil. Temos de mobilizar outras polícias e cercar rodovias, por exemplo", diz.