Longas filas de espera e pacientes que reclamam do atendimento na rede pública de saúde são cenas comuns nos hospitais do país. Levantamento do Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips), divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), comprova a insatisfação do brasileiro com os serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS): apenas 28,9% dos entrevistados os consideram bons ou muito bons, enquanto 71,1% classificam o sistema como regular, ruim ou muito ruim.
[SAIBAMAIS]Segundo a pesquisa, 58,1% das pessoas acham que a falta de médicos é o maior problema do SUS, seguido pela demora no atendimento em centros de saúde e pela dificuldade em marcar consulta com especialistas. A dona de casa Rita Alves, 49 anos, ficou quase três anos à espera de uma cirurgia nas artérias carótidas. ;Já tive dois princípios de AVC (acidente vascular cerebral) e me mandaram voltar para casa. No posto de saúde, é preciso chegar de madrugada para marcar consulta;, reclama.
A lentidão também é o pior problema da rede pública para Eriene Vieira da Silva, que afirma ter perdido um irmão, que sofreu infarto, por causa do atendimento no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). ;O serviço é péssimo. Ele chegou aqui, encaminharam para o Hran (Hospital Regional da Asa Norte) e, de lá, mandaram de volta. Demorou muito;, lamenta a moradora de Planaltina de Goiás. Ao contrário de Eriene, Abadia Ferreira dos Santos, 52 anos, considera o tratamento do HBDF melhor do que o oferecido em sua cidade, Colinas do Sul (GO). ;Lá, o clínico geral faz tudo, deveria ter mais áreas. Se eu precisar de atendimento por causa do coração, lá não tem;, critica a aposentada, que faz acompanhamento de cardiologia na unidade há 13 anos.
As reclamações dos pacientes refletem uma má gestão da saúde pública. No entanto, segundo a técnica de planejamento e pesquisa do Ipea, Luciana Mendes, a demora no Brasil não é anormal se comparada a países como a Inglaterra. ;Lá, se espera um ano para uma cirurgia de hérnia. A diferença é que na Inglaterra as pessoas têm certeza de que vão ser atendidas. Aqui, não. O que a população precisa é de mais garantia;, acredita.
Faltam no país ações de prevenção e promoção da saúde para evitar que as pessoas cheguem a estágios avançados de doenças ou tenham que procurar diretamente os hospitais, segundo a professora do departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Helena Eri Shimizu. Para Shimizu, a atenção primária é insuficiente no DF em relação ao aumento populacional dos últimos anos. ;Ela não se ampliou conforme a necessidade e foi desvalorizada. Além de não ser suficiente, tem infraestrutura precária;, diz.
Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), o governo deu passos importantes na melhoria do SUS nos últimos anos, como a implementação de Unidades de Pronto Atendimento (Upas) e da rede do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). No entanto, segundo o conselho, falta investimento na contratação descentralizada de médicos ; 50% dos profissionais no país estão na Região Sudeste, enquanto Norte e Centro-Oeste têm apenas 7%. ;Os médicos precisam ter condições mínimas de trabalho. Salário justo, acesso por concurso com dedicação exclusiva. Assim, eles poderiam trabalhar onde não há profissionais;, explica Mauro Luiz Britto, integrante do CFM. ;Hoje, com o Samu, pessoas que antes morriam chegam vivas às emergências, mas não há estrutura para recebê-las;, completa.
Pagando para ver
Casos de atendimento ruim no Sistema Único de Saúde (SUS) levam os brasileiros a buscarem a rede privada. Segundo o Ipea, 40% que usam ou já usaram planos de saúde acham que o principal motivo para contratar o serviço é ter mais rapidez para fazer uma consulta ou exame. No entanto, entre os piores problemas apontados pelos usuários está a falta de cobertura de doenças ou tratamentos mais complexos.
;Em casos de alta complexidade, a maior parte dos atendimentos é do SUS. No quesito tempo de espera o serviço acaba parecendo ser melhor, mas hoje há muitas reclamações também em relação aos planos;, alerta a técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea Luciana Mendes.
O SUS atende, atualmente, entre 120 milhões e 130 milhões de pessoas. Para Luciana Mendes, há problema no acesso ao serviço, mas a avaliação geral do sistema pela população é positiva. ;Uma vez que a pessoa consegue (atendimento), ela avalia bem. Mas o processo de encaminhamento é o que a população está avaliando e é, justamente, o que mais demora;, diz. (AES)
Luciana Mendes, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea, fala sobre o problema de gestão no Sistema Único de Saúde (SUS)