Cláudia Figueiredo - Especial para o Correio
Rio de Janeiro ; Pouco mais de dois meses depois da ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, duas áreas dominadas havia décadas pelos traficantes de drogas, mais favelas foram tomadas pela polícia. Numa ação planejada com antecedência, mas executada em cerca de três horas na manhã de ontem, nove morros do centro da capital fluminense receberam a presença do Estado. Mais de 800 homens estavam de prontidão desde às 4h de domingo para a operação. Às 6h, teve início, de fato, a incursão nas comunidades. Duas horas depois, o governo anunciou o sucesso, soltando fogos com fumaças azuis e fincando a Bandeira do Brasil no Morro dos Prazeres. O anúncio da ocupação feito pelo governo uma semana atrás, com a intenção clara de que os bandidos deixassem o local antes, surtiu efeito. Não houve tiros nem prisões.
Em clima de paz e tranquilidade, a população não teve sua rotina alterada no domingo de sol forte e temperatura beirando os 40;C. Na Rua São Carlos, um dos principais acessos ao morro de mesmo nome, no bairro do Estácio, pedestres circulavam como se nada tivesse acontecido. Crianças brincavam nas calçadas e os bares estavam lotados pelos apreciadores da famosa ;gelada;. De acordo com Maria José Moreira, 51 anos, frequentadora de um dos bares locais e moradora da comunidade há 27, a ocupação quase não foi percebida: ;Como eles entraram ainda de madrugada, nem vimos nada. Não fizeram barulho, não teve troca de tiros nem gritaria. Enfim, tudo aconteceu na maior paz. Estou aqui tomando minha cerveja e espero que agora as coisas melhorem para a comunidade;.
Fernanda Souza Lima, 37 anos, irmã da dona do estabelecimento, endossou o depoimento de Maria José. Para ela, que toma conta do bar há seis anos, a presença da polícia será muito positiva: ;Acho que até pessoas de fora vão ter vontade de estar aqui. E isso é lucrativo para nós comerciantes;. Curiosamente, em meio a um caveirão e algumas patrulhas, na subida da rua, estava estacionado o carro de uma empresa de TV a cabo. Seus funcionários de megafone em punho anunciavam um pacote popular para quem fatalmente ficaria órfão do famoso ;gatonet;, gerenciado pelos traficantes locais. Uniformizado, o grupo liderado pelo promotor de vendas Rafael Soilo, 25 anos, não parecia temer nenhum perigo: ;Tudo normal. Vamos subir e vender nosso pacote promocional para a comunidade. Ninguém vai ficar sem TV a cabo;, disse, animado com a possibilidade de uma vasta clientela.
Banhos de mangueira
Perto dali, no Morro da Coroa, em Santa Teresa, outro ponto ocupado, o clima também era de tranquilidade. Moradores com cadeiras de praia nas calçadas e banhos de mangueira tentavam amenizar o calor. Nem parecia que a comunidade havia sido ocupada pela polícia. Prova disso era uma máquina caça-níquel que permanecia na calçada de um dos bares da Travessa Vista Alegre, à disposição dos fregueses. Segundo um dos policiais que estava na base no morro, a Polícia Federal se encarregaria da apreensão. No alto da Coroa, as revistas a casas, ruas e vielas já aconteciam a todo vapor no início da tarde. Alguns veículos de moradores, assim como mochilas e bolsas, passaram por revistas, na busca por armamentos e drogas.
Em outra subida, no cruzamento da rua Santa Catarina com a Gonçalves, Antônio Carlos Cambuim, de 53 anos, dono de um pequeno comércio local, comemorava a presença policial. ;Apesar disso aqui sempre ter sido muito tranquilo, agora acho que nossos imóveis vão se valorizar mais. Espero que a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) nos traga melhorias;. No Morro dos Prazeres, também em Santa Teresa, foram encontrados um Monza, um Citroen e um Gol roubados. Durante toda a operação, os agentes apreenderam 650 papelotes de cocaína, 1,5kg de pasta de coca, 2 tabletes de maconha, 235 pedras de crack, 3 motocicletas, 33 armamentos e uma granada caseira. Mas os números devem aumentar. Isso porque, após a ocupação, a polícia iniciou uma varredura de casa em casa. E as expectativas de estourar depósitos de armas e drogas aumentam.
Embora apoiando a ação policial, os moradores dos nove morros temem a forma como serão abordados pela polícia durante as varreduras. Eles conhecem mais do que ninguém as dificuldades passadas pela população de outras favelas ocupadas, que denunciou roubos, agressões e até execuções. ;Só peço a Deus para estar em casa na hora em que eles baterem lá, porque estão dizendo que vão invadir a casa de quem não atender;, diz Cátia de Oliveira, 33 anos, moradora dos Morro dos Prazeres. Mas segundo o sargento Nascimento, que descansava com um grupo de homens no casarão do Centro Cultural do morro, as revistas deverão acontecer com ordem e concordância dos moradores: ;Aprendemos muito com as outras ocupações. Não haverá truculência nas revistas. Nossa intenção é trazer paz aos moradores e não medo;.