Jornal Correio Braziliense

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Crianças nos abrigos lidam melhor com situação do Rio que adultos

Isabele Benvindo Zeferino tem sete anos e passa o dia brincando com os amigos da mesma idade. Brincadeiras de roda, bambolê, futebol, esconde-esconde e pintura são algumas das diversões. Seu sonho, como o de muitas crianças, é ganhar uma bicicleta.

A história da pequena Isabele seria comum à de qualquer outra se não fosse o drama que vive há dez dias. Vítima da tragédia que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, Iela está alojada, ao lado da mãe, da irmã e mais 200 desabrigados, no galpão da fábrica de Bebidas Comari, no bairro Meu Dom, em Teresópolis.

Com um bambolê doado nas mãos, Isabele conta que apesar de dividir o lugar com desconhecidos, não gostaria de voltar ao local onde morava, no bairro Salaco. ;Aqui está bom. Não quero voltar para casa porque saímos de lá de madrugada, no escuro, descalça. Estava chovendo e ficamos em uma garagem. Senti medo;.

A psicóloga da prefeitura de Teresópolis, Fernanda Delgado, que está trabalhando na atenção aos desabrigados do alojamento, explicou à Agência Brasil que as crianças conseguem lidar melhor do que os adultos com a situação. No entanto, principalmente à noite, elas demonstram insegurança pela mudança radical na rotina.

;As crianças conseguem administrar melhor porque se sentem em um grande parque de diversões. Não têm consciência da realidade. Algumas, quando vão embora, até choram;, disse a psicóloga. ;Aqui, elas recebem carinho, brinquedos, atenção. Em alguns casos, apresentam sintomas de estresse pós-traumático, com enurese noturna, quando vão muito ao banheiro; têm tremedeiras e choro aparentemente sem motivo;, acrescentou.

A falta de privacidade é o principal problema enfrentado pelos adultos. ;A gente não pode reclamar, até porque todos estão nos tratando muito bem, mas é complicado ter que fazer tudo ao lado de quem a gente não conhece;, afirmou Sandra Lourenço que desde domingo está no abrigo acompanhada da filha, do genro e de dois netos.

Fernanda Delgado disse que é preciso conversar com os desabrigados para confortá-los e passar o sentimento de acolhimento. ;Já na acolhida, a gente demonstra carinho e tenta suprir a falta que eles têm.; Em alguns casos, voluntários e agentes da prefeitura têm que intermediar pequenos conflitos familiares e outros desentendimentos.

;Os mesmos problemas que as pessoas têm em casa, elas têm aqui. Discussão de marido e mulher, a gente tenta apaziguar os ânimos que já estão mais à flor da pele devido à tragédia;, acrescentou Fernanda.

Nas paredes do abrigo, crianças e adultos manifestam o sentimento de perda. Em alguns desenhos feito à mão, figuras de casas, jardins com flores e dias de sol. Também há frases de agradecimento e de esperança. ;O que mais desejo é ter minha casa de volta com meus filhos;, diz o recado de um desabrigado, colado na parede. ;Todos aqui nos tratam muito bem, graças a Deus. Mas quero ir para minha casa;, está escrito em outro mural.

De acordo com a prefeitura, em Teresópolis cerca de 800 pessoas estão alojadas em abrigos. Essas pessoas começaram nessa sexta-feira (21) a ser cadastradas no programa Aluguel Social. A partir de segunda (24), aqueles que estão alojados em casas de parentes ou amigos poderão se inscrever.

O benefício será no valor de R$ 500,00, por 12 meses. O aluguel social será pago pela Caixa Econômica Federal, por meio do cartão do Bolsa Família ou conta corrente simplificada aberta nas agências do banco nos municípios atingidos.