Em mais uma tentativa de mostrar que catástrofes climáticas como a da região serrana do Rio de Janeiro não podem mais ocorrer, o governo federal anunciou ontem que vai liberar R$ 5,5 bilhões para a realização de obras de contenção de encostas e drenagem ainda este ano. O montante está previsto na segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), que prevê mais R$ 1 bilhão para projetos de contenção de encostas.
Ontem, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, agora responsável pelo fórum de infraestrutura determinado pela presidente Dilma Rousseff, afirmou que o monitoramento das obras do programa será aperfeiçoado e dará mais condições para que União, estados e municípios, além do setor privado, realizem novas obras. Belchior participou da primeira reunião do grupo com outros 16 ministros, no Palácio do Planalto.
;Do R$ 1 bilhão previsto no PAC 2 para contenção de encostas, R$ 500 milhões já foram selecionados, sendo que R$ 100 milhões irão para o Rio de Janeiro. Os outros R$ 500 milhões serão selecionados neste ano e de preferência irão para os 99 municípios brasileiros que pediram recursos por terem sofrido em decorrência das chuvas;, disse a ministra.
Miriam afirmou que vai pedir celeridade às prefeituras na elaboração de projetos para que as obras sejam concluídas antes do próximo verão. ;Vamos atender primeiro onde o problema é mais grave. A gente espera que os municípios acelerem os projetos para que as obras se iniciem no período da seca e estejam prontas no próximo período de chuvas;, afirmou.
Segundo ela, o trabalho não será prejudicado pelo contingenciamento de recursos que será feito pela equipe econômica nos próximos dias, pois avalia que o investimento é fundamental para o crescimento do país. ;A última coisa que será cortada é o orçamento do PAC. Além disso, ainda não há o tamanho do corte que será realizado;, argumentou.
Alerta
O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, apresentou ontem, em reunião na Casa Civil, uma proposta detalhada do que será o sistema nacional de alerta e prevenção de desastres naturais, anunciado pelo governo nesta semana. Ainda não há custos estimados e o prazo de implementação será de quatro anos.
A promessa é de que, em um ano, será possível integrar sistemas de radares já existentes, como os da Aeronáutica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de previsão meteorológica dos estados. A ideia é criar um sistema de informações climáticas e ambientais em tempo real, pelo qual seja possível prever e prevenir deslizamentos, enchentes, inundações e alagamentos em áreas urbanas.
Mercadante reconheceu que os governos anteriores não implantaram um mecanismo nacional de alerta e prevenção de desastres, embora estivesse previsto em decreto publicado em 2005, no primeiro mandato do presidente Lula. Em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, ele afirmou que ;nós não fizemos isso em 510 anos e vamos fazer o mais rápido possível. Os prefeitos não fizeram, os governadores não fizeram, os governos anteriores não fizeram;, afirmou.
PREJUÍZO SEM FIM
; Casas destruídas à margem do Rio Preto, encostas da serra destruídas e seis pontes arrastadas pela água. Nesse cenário, que se estende pelos 27 quilômetros da estrada Silveira da Motta, a principal via de São José do Vale do Rio Preto, pequenos comerciantes tentam reerguer seus estabelecimentos. ;Às vezes, quando caio na realidade, dá vontade de parar com tudo. Mas penso que Deus deve ter um plano pra gente;, diz Silas Gonçalves de Almeida, dono de um comércio na região. A reconstrução das ruas e o atendimento aos desabrigados em São José do Vale do Rio Peto devem durar de seis meses a um ano, segundo a prefeitura do município. Estimativas preliminares da administração municipal apontam que serão necessários mais de R$ 40 milhões para recuperação. O comerciante Zacarias Mendes viu a água chegar ao teto de sua loja de confecções. Ele calcula em cerca de R$ 650 mil o prejuízo com as mercadorias perdidas e os reparos no prédio. ;Tenho fornecedores para pagar. Tenho compromissos em cheques pré-datados. Tenho que voltar a trabalhar.; Dono de um posto de gasolina, José Carlos Rocha ainda não conseguiu religar os equipamentos e vive situação semelhante. Ele disse que precisa de R$ 500 mil para comprar novas bombas e reconstruir o que foi danificado pela chuva.
Convênio garante aluguel
Ana Elisa Santana
Moradores da região recebem donativos de todos os estados: um dos helicópteros caiu em Nova Friburgo
As prefeituras dos municípios da região serrana do Rio de Janeiro começam hoje o cadastramento das vítimas das chuvas que receberão o aluguel social. O governador do estado, Sérgio Cabral, assinou ontem, em Teresópolis, um convênio que destinará R$ 40,8 milhões para custear o benefício. Cerca de 7 mil famílias que tiveram suas casas destruídas ou moram em locais de risco e precisam ser removidas receberão entre R$ 400 e R$ 500 mensais durante um ano.
O aluguel será destinado a moradores de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. A Caixa Econômica Federal, responsável pelo pagamento por meio dos cartões do programa Bolsa Família ou de contas-correntes, pretende levar aos municípios atingidos caminhões que passarão a funcionar como agências móveis. Vítimas que perderam documentos com as enxurradas podem preencher um formulário nas prefeituras para pedir o benefício.
Segundo o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do estado, Rodrigo Neves, todos os inscritos entrarão, também, em programas habitacionais que devem se iniciar em fevereiro. ;O cadastramento será feito pelos municípios e processado pela Secretaria de Assistência Social, que criará um banco de dados para acompanhamento. Haverá o apoio do governo federal na construção de moradias;, afirmou Neves.
Nos municípios atingidos, pelo menos 6 mil pessoas perderam suas casas e outras 7,7 mil tiveram que sair temporariamente de onde moravam e se abrigam em locais improvisados. A cidade de São José do Vale do Rio Preto, que tem cerca de 2 mil moradores nessa situação, recebeu 50 barracas semelhantes às usadas no ano passado para abrigar vítimas do terremoto que devastou o Haiti e das enchentes em Alagoas e Pernambuco. As tendas, doadas pela ONG Shelterbox e pelo Rotary Club da cidade, têm capacidade para abrigar até 10 pessoas e devem ser enviadas também às outras localidades devastadas.
Acidente
O trabalho de socorro às vítimas continua e, ontem, ventos fortes na zona rural de Nova Friburgo derrubaram um helicóptero do Exército que participava de resgates na região. A queda, no entanto, ocorreu a poucos metros do solo e não deixou feridos graves. Estavam na aeronave três militares do Exército, o ouvidor da prefeitura da Teresópolis, Ricardo Raposo, e o presidente da Cruz Vermelha do município, Herculano Abraão.
Segundo o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE-RJ), ainda há 333 pessoas desaparecidas desde o temporal do dia 12. A Defesa Civil fluminense aponta que o desastre já provocou 754 mortes. A corporação chegou a divulgar o número de 765 mortos durante a tarde, mas retificou a informação horas depois.
Estragos em São Paulo e Minas
A Grande São Paulo ficou em estado de atenção durante uma hora na tarde de ontem. Segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), uma forte chuva atingiu boa parte da Zona Norte e toda a Região Central da capital. Pelo menos seis pontos de alagamento foram registrados na cidade.
O interior do estado também sofre com as fortes precipitações. A prefeitura de Mauá, na Região do ABC, declarou situação de emergência após contabilizar seis mortes e 509 casas interditadas. Em Sorocaba, um temporal derrubou 48 árvores, além de postes e muros. A prefeitura, o Corpo de Bombeiros e a concessionária de energia elétrica da cidade tiveram que montar uma força-tarefa para desobstruir ruas e reparar as redes de transmissão de energia.
Em Minas Gerais, foi confirmada, ontem, a 17; morte causada pelas chuvas registradas desde novembro. Jesus Barsanulfo da Silva, 44 anos, fazia parte de um grupo de turistas do Distrito Federal e de Goiás que visitava uma cachoeira na Serra do Cipó. Eles foram surpreendidos por um súbito aumento do nível da água. Segundo a Defesa Civil, há 135 cidades afetadas pelos vendavais e deslizamentos, e 84 prefeituras decretaram situação de emergência. O tempo ruim no estado danificou mais de 6 mil casas e destruiu 113 pontes.
Comissão para tratar do clima
A Comissão Permanente do Congresso Nacional reuniu-se ontem para debater propostas com o objetivo de evitar novas catástrofes, como as que ocorreram na região serrana do Rio de Janeiro. Os deputados e senadores aprovaram um voto de solidariedade aos familiares das vítimas das chuvas na região serrana, além da recomendação ao Executivo que elabore um plano nacional de prevenção e enfrentamento das catástrofes ambientais.
Também foi aprovada a recomendação para que a nova legislatura ; que assume em fevereiro ; crie uma comissão mista para tratar dos problemas climáticos. A pedido da senadora Marina Silva (PV-AC), que deixa o mandato em 31 de janeiro, o presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), incluiu na pauta de convocação da comissão o debate com técnicos para analisar a intensificação dos efeitos climáticos no país e o que pode ser feito para minimizá-los.
Logo na abertura da sessão, o secretário de Políticas e Programas em Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Barreto de Castro, criticou os investimentos em prevenções a acidentes climáticos no país: ;Fizemos um sistema-piloto de radares que ficou fora do PAC 1 e do PAC 2. O então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que não entraria mais nada no PAC 2;.
Já o professor de geotecnia da Universidade de Brasilia (UnB) e representante da Associação Brasileira de Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica, André Pacheco Assis, destacou que desmoronamentos como os verificados na região serrana ocorrem todos os anos e nenhuma medida de prevenção é tomada. ;Esse problema, com o agravamento das mudanças climáticas, vai acontecer com mais e mais frequência a partir de agora;, disse o professor.