Jornal Correio Braziliense

Brasil

Falta de planejamento antes e depois de catástrofes aumenta as mortes

Nos últimos anos o país enfrenta problemas recorrentes desencadeados pelas chuvas fortes do início do verão. Desmatamento, aquecimento global e crescimento desenfreado da população urbana estão entre as causas do aumento da intensidade dessas chuvas. Mas especialistas defendem que nem sempre os desastres são naturais e que os estragos materiais, e o grande número de desabrigados e de mortos poderia ser reduzido se houvesse planejamento e vontade política das autoridades.

Uma série de entraves impede que trabalhos de prevenção de tragédias e de atuação na resposta a grandes desastres ocorra de forma eficiente. Além da falta de empenho por parte do poder público em atuar nessas vertentes, é necessária uma mudança de cultura. Há anos os gestores públicos gastam muito mais em obras de reconstrução do que com a execução de projetos preventivos. Entre 2004 e 2010, R$ 539,8 milhões foram desembolsados com prevenção, enquanto R$ 4,8 bilhões acabaram destinados a respostas a tragédias.

Fernando Kertzman, presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia Ambiental (ABGE), acredita que as falhas começam no mapeamento das áreas de risco. Para ele, não há equipe técnica capacitada suficiente para realizar com afinco todo o rastreamento das regiões ameaçadas, e os técnicos que atuam no governo estão dispersos em órgãos diferentes, que não conversam entre si. ;Essas pessoas sabem o que fazer e como fazer, mas não estão articuladas para planejar nem executar projetos;, diz. Kertzman acredita que falta no país uma consciência de que a população e o governo têm de estar preparada para enfrentar as chuvas do início do ano. ;No Brasil não tem neve, não tem terremoto, mas tem chuvas fortes. O país tem que se preparar para as possíveis catástrofes ambientais;, alerta.

Outro problema apontado pelo especialista diz respeito à fiscalização dessas áreas. ;Uma vez constatada que a região não é apropriada para moradia, o poder público deve cuidar para que ela não seja ocupada. E no caso disso já ter acontecido, deve haver um programa de remoção dessas pessoas;, diz. O engenheiro Mário Thadeu Leme, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), concorda com Kertzman, e afirma ainda que falta o cumprimento da lei. ;Toda cidade tem um plano diretor, que deve ser respeitado;, defende.

Mas a desocupação de áreas de risco já povoadas é uma questão evitada pelos políticos. José Matias Pereira, especialista em gestão pública da Universidade de Brasília (UnB), explica que essas ações envolvem medidas de convencimento e que nem sempre são populares. ;Mas, além de convencer a população, deve-se apresentar alternativas para essas pessoas;, diz. Políticas de moradia popular, mas em locais com infraestrutura que envolvam saneamento básico e transporte público, custam caro, ele ressalta.

Mas mesmo quando há vontade política para enfrentar os desafios e trabalhar políticas públicas de segurança, os governantes esbarram em processos burocráticos, e mais uma vez há falta de técnicos qualificados para elaborar projetos. Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, explica que, para uma verba ser liberada, é necessária a apresentação de projetos que justifiquem e esclareçam onde será aplicado o dinheiro. A outra falha citada pelo especialista diz respeito à má distribuição desse montantes. Nem sempre aqueles estados ou municípios que precisam mais do dinheiro são os que recebem a quantia, articulação política e desempenho na elaboração dos projetos determinam para onde a verba vai. Castello Branco e Kertzman defendem que, para amenizar essa dificuldade, poderia haver parcerias entre universidades públicas e governos locais.

Parcerias
Após a aprovação dos projetos, licitações devem ser abertas para que haja a contratação de pessoas ou empresas para executarem as ações. ;Há prazos legais para a abertura das licitações, além de outras etapas que devem ser respeitadas. Todo esse processo também demanda tempo;, explica Pereira.

Enquanto nenhum dos obstáculos é rompido, as tragédias continuam atingindo milhares de famílias. E nem assim o governo consegue se articular para agir prontamente na resposta e se depara com mais problemas. Apesar de haver tecnologia disponível para alertar a população sobre a possibilidade iminente de variações climáticas extremas a maior parte do país não tem tempo e nem sabe como se preparar para enfrentar essas situações.

Também nesse caso, parcerias com universidades podem funcionar como alternativa. O engenheiro Mário Thadeu Leme explica que o governo pode trabalhar com as universidades públicas para a execução de projetos de prevenção e segurança. Mas apenas os alertas não são suficientes ; os governos locais precisam ter um plano de evacuação de pessoas e locais previamente estabelecidos para abrigar a população. ;Planos de ação e contingência podem minimizar o impacto de tragédias, com isso o número de mortes, por exemplo, poderia ser bem menor;, diz.

Mais uma vez, outra dificuldade é a liberação de recursos. ;Após a ocorrência de uma tragédia, o tempo entre o anúncio de verba disponível para ações de resposta até a aplicação desse dinheiro é grande;, diz Castello Branco. Nesses casos, o que vale é tentar agilizar a elaboração de projetos e realizar contratações emergenciais, com dispensa de licitação.