Jornal Correio Braziliense

Brasil

Mesmo com desastres provocados pela chuva, verba para área é menor em 2011

Embora as tempestades de 2010 tenham deixado uma dura lição, com mortes no Rio, em Alagoas e em Pernambuco, proposta orçamentária de 2011 para o programa de prevenção de desastres é R$ 30 milhões menor do que a aprovada para este ano

Leandro Kleber - Especial para o Correio

O 2010 que começou de forma trágica por conta das chuvas, com o desabamento de uma encosta em Angra dos Reis que resultou na morte de 30 pessoas, exatamente no primeiro dia do ano, deve terminar não menos complicado no que diz respeito a catástrofes em razão do clima. Só nesta última semana, 10 pessoas morreram em Minas Gerais ; resultado de deslizamentos e desabamentos. Entre elas, uma senhora de 80 anos e duas crianças, de 2 e 5 anos.

Mas apesar dos números elásticos ; já são mais de 10 mil desalojados e desabrigados, com 36 municípios em situação de emergência ;, a matemática, no Congresso Nacional, optou por subtrair em vez de somar. A proposta orçamentária aprovada na última quarta-feira prevê R$ 30 milhões a menos em 2011 para o programa de prevenção e preparação para desastres em comparação com o problemático 2010. O que significa, na prática, que o governo terá menos dinheiro no ano que vem (R$ 137 milhões) para executar obras e ações de prevenção, como contenção de encostas, canalização de rios e remoção de famílias que moram em áreas de risco, do que teve neste ano (R$ 168 milhões).

O resultado dessa incoerente conta não é difícil de prever. Em 2010, que, além de Angra, registrou graves problemas no Rio, em Niterói e nos estados de Alagoas e Pernambuco, o governo gastou menos da metade dos recursos previstos para projetos de prevenção. Mas desembolsou 14 vezes mais (R$ 2,1 bilhões) com ações de assistência às pessoas atingidas e restabelecimento da normalidade.

Curto prazo
A geógrafa e coordenadora do laboratório de climatologia da Universidade de Brasília (UnB) Ercília Torres lamenta que falta de planejamento por parte do poder público seja o principal problema para a ocorrência dos desastres. ;Todos os anos nós sabemos que é a mesma coisa. As autoridades deveriam levar mais a sério a questão. Não adianta falar que choveu demais porque o problema não é o fenômeno natural. Nós temos condições de prever o que vai acontecer. O governo precisa ter estratégia e dinheiro para remover famílias de área de risco, por exemplo. É possível minimizar os efeitos das chuvas;, avalia.

Ercília ressalta, porém, que o problema é complexo para ser resolvido em curto prazo. ;Boa parte da população brasileira não tem onde morar. É um fato histórico. Ao ocupar uma encosta ou a beira de um rio, o cidadão não tem a percepção de que aquela área é sensível às chuvas. O ideal seria a administração pública remover essas pessoas, com antecedência, caso sejam identificados os riscos. Se não o fizer, o governo assina embaixo o desastre. É muito pior deixar as famílias em suas casas do que removê-las;, critica.

Virada deve ser crítica
Os moradores de diversas regiões de Minas Gerais deverão ficar atentos nos próximos dias. Boletim da Defesa Civil de Minas Gerais, publicado ontem, alerta para uma frente fria que deve permanecer no estado até 3 de janeiro. De acordo com o boletim, o sistema deverá favorecer a formação de chuvas com forte intensidade nas regiões do Vale do Rio Doce (Ipatinga, Governador Valadares e Caratinga), Mucuri, Campo das Vertentes, Baixo Jequitinhonha e Zona da Mata. Os dias mais críticos serão hoje, amanhã e 1; de janeiro.

A população deverá ser orientada pela Defesa Civil quanto ao maior risco de deslizamentos, considerando o grande volume de chuva que deixou o solo saturado e instável, além da possibilidade de enchentes, inundações, desabamentos e alagamentos.

Em Minas Gerais, 64 municípios foram afetados pelas chuvas, totalizando quase 1,2 milhão de pessoas atingidas, 953 mil só na capital Belo Horizonte. Mais de 10 mil estão desalojadas e 3,2 mil casas foram danificadas. ;O importante agora é ficar atento com as chuvas de hoje e de amanhã. Torcemos para que não haja mais vítimas;, disse o major da Polícia Militar Edylan Arruda de Abreu, diretor de comunicação da Defesa Civil do Estado de Minas Gerais.

Edylan cita como modelo positivo a ser implantado nessas cidades o programa Vila Viva, realizado em Belo Horizonte com auxílio financeiro federal. Segundo ele, o projeto retirou milhares de famílias de áreas críticas e destinou-as para locais próximos urbanizados. ;As áreas de risco se tornaram parques. Isso é um projeto concreto que aconteceu. As prefeituras têm de se capacitar.; (LK)

Vai pagar quanto?
Gastos do governo (em R$ milhões)

Prevenir Remediar
2006 - 37 128

2007 - 54 - 348

2008 - 112 - 481

2009 - 138 - 1.386

2010* - 138 - 2.147


Fonte: Contas Abertas
*Até: 03/12

Verbas de outras áreas
Ivone Valente, secretária Nacional de Defesa Civil, órgão ligado ao Ministério da Integração Nacional, reconhece que há cortes orçamentários no programa de prevenção, mas que o governo tem mais recursos em outras áreas destinados à urbanização das cidades. Segundo Valente, o ideal seria descentralizar os recursos do programa de prevenção do Ministério da Integração. ;Se somarmos os recursos previstos para melhoria de infraestrutura no PAC, com a compra de equipamentos de ciência e tecnologia voltados para o controle e acompanhamento dos eventos climáticos, constaremos que há mais verba;, argumenta.

A secretária admite que o corte dos recursos de prevenção é resultado de uma orientação do Ministério do Planejamento a todas as secretarias de governo. ;Nós apenas gastamos os recursos. Quem estima a receita é o Planejamento;, justifica. Ivone explica ainda que para executar a verba do programa, aplicada por meio de transferência e convênios com prefeituras, seria necessário ter uma estrutura maior no ministério.

;Há ainda uma dificuldade das prefeituras para elaborar projetos e cumprir toda a documentação exigida. Às vezes, os prefeitos até conseguem recursos por meio de emendas ou aqui mesmo na pasta, mas não conseguem corresponder e cumprir toda a legislação prevista. Há muita vontade, mas falta capacitação, principalmente nas prefeituras menores;, diz.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Problema ao crescer
;A chuva acontece todos os anos. É importante que as cidades se preparem, mas há uma certa dificuldade por parte dos prefeitos para elaborar projetos e planilhas de custos com o objetivo de reduzir riscos e conseguir novos investimentos.

É preciso tirar as pessoas de áreas de risco e ter um mapeamento dessas áreas para se fazer um trabalho contínuo. As cidades estão crescendo e não podemos deixar que os morros sejam ocupados. O crescimento tem de ser organizado. Ninguém pode sair construindo de qualquer jeito e em beira de rio.;

Major Edylan Arruda de Abreu, diretor de comunicação da Defesa Civil do Estado de Minas Gerais

MEMÓRIA


Drama de norte a sul

Foi exatamente na virada de 2009 para 2010 que uma tempestade causou a morte de 30 pessoas em decorrência de deslizamentos na cidade praiana de Angra dos Reis, no Rio. Dezenove corpos foram encontrados na Praia do Bananal, na Ilha Grande, área ao redor da pousada Sankay, e outras 11 mortes acabaram confirmadas no Morro da Carioca, na região central da cidade.

No começo de abril, a Região Metropolitana do Rio também foi castigada por uma das piores chuvas já registradas no estado. Pelo menos 100 pessoas morerram, a maioria delas em Niterói, principalmente por causa do deslizamento de terra no Morro do Bumba. Trinta e três pessoas morreram na capital fluminense e foram registradas mais cinco mortes em São Gonçalo.

Em junho, nova catástrofe. Desta vez, 54 municípios de Alagoas e de Pernambuco foram afetados pelas chuvas. Nove decretaram estado de calamidade pública e outros 30 ficaram em situação de emergência. Mais de 50 pessoas morreram.