Sem assistência técnica suficiente por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), boa parte acabou inadimplente, o que complica bastante o acesso a novos créditos.
A assistência continua escassa no assentamento e, como passou a ser um pré-requisito para a liberação de financiamentos pelo Pronaf, tornou-se também um fator de problema de crédito para as famílias da Fazenda Cunha. ;Um dos grandes gargalos da reforma agrária é a falta de assistência técnica;, lamenta o presidente da associação dos produtores do assentamento, Mário Benedito de Souza.
Isolamento
A realidade do assentamento ; um importante produtor regional de leite e hortifrutigranjeiro ; se estende à maioria dos projetos de reforma agrária do país. Apenas 400 mil das 900 mil famílias assentadas (44,4%) recebem assistência técnica do Incra, segundo dados do próprio órgão. O resultado é a dificuldade de acesso ao crédito para o incremento da produção agrícola. Pela primeira vez, essa dificuldade aparece em números, por meio de uma pesquisa inédita desenvolvida pelo instituto em todos os estados brasileiros. O levantamento, divulgado ontem, mostra que 47,78% dos assentados não conseguem ter acesso às linhas de crédito do Pronaf, principalmente, em razão da falta de assistência técnica.
Os pesquisadores do Incra estiveram em 1.164 assentamentos e ouviram 16.153 famílias em todo o país, que representam um universo de mais de 804 mil famílias assentadas. A radiografia resultante do levantamento oficial mais completo feito até agora mostra uma situação preocupante nos assentamentos de reforma agrária. Os pequenos produtores rurais, que passaram a contar com um pedaço de terra, não sofrem apenas com o isolamento, com as dificuldades de acesso a escolas e a hospitais e com a quase inexistente condição de saneamento básico. A falta de crédito emperra a produção e gera graves discrepâncias regionais.
Enquanto em Santa Catarina 3,96 mil produtores rurais faturam R$ 17,7 milhões com a produção de leite nos assentamentos, no Ceará o faturamento não chega a um terço desse valor (R$ 4,75 milhões), obtidos por 4,6 mil produtores leiteiros. No estado do Sul, o ganho individual é de R$ 4,48 mil. No estado do Nordeste, de pouco mais de R$ 1 mil.
;O orçamento não é suficiente para atender todas as famílias assentadas com assistência técnica;, critica César Schiavon Aldrighi, coordenador nacional do programa de assistência técnica do Incra e coordenador-geral da pesquisa que radiografou os assentamentos de reforma agrária. ;Os recursos são poucos e, por isso, os novos assentamentos têm prioridade.; O orçamento para este ano previa R$ 310 milhões exclusivamente para assistência técnica, mas, por contingenciamento do governo federal, foram repassados menos da metade: R$ 150 milhões.
Parcerias
Quando um assentamento é implantado, o Incra libera créditos para aquisição de material de construção, fomento e apoio para a implantação. A pesquisa divulgada ontem mostra que a proporção de assentados beneficiados com esses recursos é maior do que a parte com acesso ao Pronaf. Para pleitear os recursos do programa que busca incrementar a agricultura familiar, é preciso que técnicos do Incra elaborem planos de desenvolvimento, na fase da assistência técnica. Como mais da metade das famílias é desprovida desse tipo de assistência, o dinheiro do Pronaf não tem chegado a grande parte dos assentamentos de reforma agrária.
As 62 famílias do assentamento da Fazenda Cunha só conseguem ter eficiência na produção por causa das parcerias estabelecidas com organizações não governamentais. Esse apoio supre as dificuldades de o Incra levar assistência técnica até o assentamento. ;Conseguimos essas parcerias por causa da proximidade com Brasília;, diz o presidente da associação de produtores, Mário Benedito, que também preside a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no DF e Entorno.
Sem infraestrutura e longe de tudo
A pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) permitiu mapear a realidade dos assentados rurais e definir prioridades para os investimentos nos assentamentos. Pelos dados apurados, os pesquisadores concluíram que 3,6 milhões de pessoas são beneficiadas pelos projetos de reforma agrária e dependem diretamente de melhorias da assistência do governo federal. Mais da metade das famílias têm quatro ou mais integrantes. Os homens são maioria e, para surpresa dos próprios responsáveis pelo levantamento, mais de 58% dos assentados têm 30 anos ou menos.
As condições de infraestrutura continuam muito ruins. Redes de esgoto chegam a apenas 1,14% das casas ; a grande maioria utiliza fossas negras, simples ou sépticas. Houve um incremento no fornecimento de energia elétrica, mas mais da metade dos assentados não têm acesso a energia ou são atendidos com uma energia intermitente. Um quinto das famílias não conta com água suficiente para suas necessidades. Quase seis em cada 10 assentados reclamam que as estradas que dão acesso a seus lotes são péssimas ou ruins. É a mesma proporção de trabalhadores rurais que reclamam das dificuldades de acesso a postos de saúde e hospitais. Apenas 6% dos assentados têm ensino médio completo.
O presidente do Incra, Rolf Hackbart, divulgou ontem os rendimentos obtidos por assentados de Santa Catarina e do Ceará, para ressaltar as discrepâncias regionais. As rendas nos outros estados devem ser divulgadas até fevereiro. Em Santa Catarina, 29,2% das famílias têm renda mensal superior a cinco salários mínimos e 1,46% ganham apenas a metade de um salário. A situação se inverte no Ceará: apenas 2,83% ganham mais de cinco salários mínimos.
A boa notícia é que, tanto no Ceará quanto em Santa Catarina, a produção nos próprios assentamentos é responsável pela maior fatia da renda das famílias. Leite, milho e feijão são os principais produtos ofertados por esses assentados ; para a maioria deles, a vida melhorou depois da formalização dos assentamentos. ;Os dados de produção e geração de renda mostram que o investimento em reforma agrária é um grande investimento para cidadania;, diz o presidente do Incra. (VS)