Belo Horizonte ; Um crime motivado por simples vingança ou complicado por transtornos mentais? Essa é uma das perguntas a que a polícia tentará responder para esclarecer o que levou o estudante do 5; período de educação física Amilton Loyola Caires, 23 anos, a esfaquear e matar o professor Kássio Vinícius Castro Gomes, 39 anos, no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. O assassinato ocorreu por volta das 19h de terça-feira, pouco antes do início das aulas do período noturno. O acusado, que fugiu depois do crime, foi preso em flagrante na madrugada de ontem, em casa, no Bairro União, Região Nordeste da capital mineira. Ele foi levado para o Departamento de Investigações (DI), no Bairro Lagoinha, onde confessou o homicídio e se disse arrependido. Em menos de um ano, foi a segunda tragédia a se abater sobre a família do professor, que havia perdido o pai em janeiro passado, também vítima de uma facada (leia texto ao lado).
A mãe e um irmão do assassino confesso compareceram ao DI e disseram aos policiais que Amilton apresenta quadro de transtorno bipolar e esquizofrenia, e que faz tratamento psiquiátrico, além de usar remédios controlados. A informação foi repassada pelo advogado e amigo da família Nelson Rogério Figueiredo Leão. Ele, porém, antecipou que não será o defensor do estudante no processo. O delegado Breno Pardini, que ouviu Amilton por cerca de quatro horas, adiantou que será pedido exame de sanidade mental do estudante, embora ainda não haja uma data para o procedimento.
Segundo o delegado, o autor alegou que não tinha a intenção de matar o professor, mas de intimidá-lo. Ainda de acordo com o policial, Amilton relatou que os atritos com Kássio eram recorrentes e que se sentia perseguido. ;Temos duas versões contraditórias para o crime. Vamos avaliar se essa perseguição é real ou um desvio mental;, afirmou Pardini. Na terça-feira, colegas de faculdade do estudante afirmaram que ele teria se irritado com uma avaliação negativa de um trabalho, o que teria motivado o ataque ao professor. A polícia diz que as imagens gravadas pelas câmeras da unidade de ensino mostram que a execução se deu sem qualquer discussão, de maneira rápida e direta.
Enterro
Quem acompanhou o depoimento disse que o estudante não chorou e manteve-se tranquilo durante a maior parte do tempo. No entanto, em certos momentos, ele apresentou picos de nervosismo. O autor do assassinato ficava contrariado todas as vezes em que eram mencionados os supostos transtornos mentais ou os medicamentos controlados e chegou a pedir a Nelson Leão que o fato não fosse usado como explicação para o crime.
O rapaz argumentou ainda que não pretendia fugir e que iria se entregar, mas achou melhor ficar ao lado a mãe. Ele foi preso quando voltava para casa de táxi. Policiais militares que faziam campana nas proximidades identificaram o suspeito e fizeram a prisão, por volta das 2h30 da madrugada de ontem, segundo o delegado Breno Pardini.
Depois de prestar depoimento, o universitário foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) para exame de corpo de delito e, depois, conduzido ao Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) do Bairro Gameleira, na região oeste de Belo Horizonte.
O corpo do professor Kássio Vinícius Castro Gomes deve ser enterrado hoje, no Cemitério Parque da Cachoeira, em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, mesma cidade em que foi velado desde a noite de ontem. Parentes do educador criticaram a postura da instituição na qual ele trabalhava e disseram que não houve apoio psicológico ou mesmo auxílio na burocracia para o enterro.
A assessoria da universidade, no entanto, afirma que está em contato constante com a família, oferecendo ;suporte espiritual;.
OUTRA TRAGÉDIA
A família do professor Kássio Vinícius, além de suportar a perda repentina e trágica de um ente querido, se recupera de outra atrocidade. Em 11 de janeiro de 2010, o pai da vítima, Maurílio Ferreira Gomes, de 72 anos, também foi assassinado a golpes de faca, desferidos por um assaltante. O crime ocorreu em Nova Viçosa, no Sul da Bahia. Maurílio e a mulher, Maria dos Anjos Ferreira Gomes, 74 anos, passavam as férias na casa de praia da família quando um bandido invadiu a residência e rendeu o casal e outras quatro pessoas. Possivelmente alterado pelo uso de drogas, o assaltante esfaqueou Maria dos Anjos no abdômen, depois que ela o aconselhou a não cometer o crime. A agressão provocou a reação de Maurílio, que entrou em luta contra o bandido mas acabou levando uma facada na barriga e morreu no local.
Cada vez mais casos
Flávia Ayer
Glória Tupinambás
Belo Horizonte ; Enquanto o Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix qualifica a morte brutal do professor Kássio Vinícius Castro Gomes, 39 anos, como um ;episódio isolado;, entidades de classe e até mesmo o Congresso Nacional batem na tecla de que casos pontuais como esse têm virado rotina no ambiente escolar. Especialistas ainda alertam que, ao tratar as agressões na sala de aula como situações esporádicas e fora de um contexto maior, as escolas mascaram o problema e criam terreno fértil para a violência e a ação de alunos inconsequentes, como Amilton Loyola Caires. Na tentativa de pôr limites na selvageria instalada nas instituições de ensino, dois projetos de lei tramitam no Senado, para incentivar a cultura de paz nas escolas e estabelecer punições severas aos agressores.
Legislação
Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social em Minas Gerais mostram que os episódios de agressão em ambiente escolar dobraram desde o ano passado em unidades de Belo Horizonte. No centro do debate, estava a violência sofrida pela professora Antônia Alexandre Nogueira, do município de Cláudio, no Centro-Oeste do estado. Ela teve uma costela quebrada ao ser agredida por um estudante de 15 anos. O Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), representante dos profissionais de escolas particulares, articula ação de repúdio ao assassinato de Kássio Vinícius, que será definida hoje.
Mas o diretor da entidade, José Carlos Arêas, adianta que o episódio faz parte de cenário de terror denunciado pelo Sinpro em pesquisa divulgada em 2009. O estudo aponta que 62% dos 686 entrevistados presenciaram ou sofreram agressão verbal e 24% deles, violência física. ;Esse é um reflexo da sociedade que também aparece dentro da escola. Mas, no caso da rede privada, esses episódios ficam abafados pelos interesses econômicos. Além disso, o aluno de escola particular se vê, muitas vezes, como um segundo patrão.;
Dois projetos de lei em tramitação no Congresso, ambos de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), propõem mudanças na legislação brasileira em defesa da criação de uma cultura de paz nas salas de aula e de regras mais rígidas para alunos agressores. Com relação ao cruel assassinato do professor Kássio Vinícius, o senador é categórico ao afirmar que não se trata de um caso isolado. ;A violência é geral em todos os estados, onde a juventude se acha acima do bem e do mal e, muitas vezes, age com a conivência dos pais.;