Enquanto no Rio de Janeiro ainda pairam dúvidas sobre a redução efetiva do consumo de drogas depois que as operações policiais mostrarem seu verdadeiro desfecho, outra guerra ; essa mais longe dos centros urbanos ; tenta evitar que o tráfico continue agindo nas fronteiras. Para isso, policiais investigam há meses esquema usado pelo narcotráfico boliviano para arrendar terras próximas às fronteiras com a ajuda de brasileiros. A intenção dos bandidos é armazenar grandes quantidades de cocaína e intensificar o chamado tráfico formiguinha, que utiliza pessoas pobres e jovens para fazer com que a droga chegue mais rápido ao nosso país.
Várias operações policiais estão sendo desencadeadas na região para localizar as pequenas estradas abertas dentro de fazendas. O problema é que outros caminhos surgem a cada dia, pois o uso de pessoas como ;mulas; de carregamento aumenta as opções de trajetos para a droga.
A principal ofensiva da polícia tem sido em fazendas localizadas próximas a outras propriedades no Brasil. ;É uma forma de manter um entreposto na fronteira para depois distribuir a droga;, afirma o delegado federal Fábio Morais de Paula, coordenador da Operação Sentinela em Mato Grosso. Ele explica que, ao ficarem próximos das fazendas brasileiras, os traficantes encontram mais facilidades para cruzar com a cocaína por causa das inúmeras estradas vicinais ; as chamadas cabriteiras ;que passam por dentro das terras, muitas abertas de forma rudimentar e que só são utilizadas pelo trafico. O pó chega em grandes quantidades e é enterrado para dificultar uma possível busca e apreensão.
Dentro do Brasil, os proprietários de terras não falam sobre o assunto, mas tanto a Polícia Federal como a Civil do estado encontraram vários indícios sobre os arrendamentos. ;As fazendas servem de apoio para o tráfico que traz grandes quantidades por dentro do território boliviano;, explica o delegado Gustavo Garcia, que faz parte do Grupo Especial de Segurança de Fronteira (Gefron) e que atua em Cáceres (MT), uma das cidades onde há grande predominância do tráfico de drogas. Segundo Garcia, o pó que atravessa para o país abastece não apenas o tráfico interestadual, mas também o mercado interno.
Estratégias
Os arrendamentos das fazendas são feitos informalmente ou utilizando laranjas, normalmente pessoas pobres que cedem seus nomes por pequenas quantias de dinheiro. Para não levantar suspeitas, os traficantes mantêm as atividades normais de uma propriedade rural da região, onde predomina a pecuária. Os funcionários muitas vezes não sabem do verdadeiro negócio, mas quando isso acontece, se mantêm calados para evitar represarias, como muitas que ocorreram ao longo dos anos. ;Em um só dia nós encontramos oito rapazes mortos a tiros perto de uma lagoa;, conta um capataz de uma das fazendas.
;Muitas vezes, quando o tráfico suspeita de uma pessoa, manda matar a família toda;, diz o tenente-coronel da Polícia Militar, Antônio Mário da Silva Ibanez Filho, chefe do Gefron, que descobriu situações em que não apenas pessoas pobres ; o perfil ideal da mula ;, mas servidores públicos também são cooptados pelo narcotráfico. ;Um engenheiro do Indea (Instituto de Desenvolvimento da Agropecuária) utilizava carro oficial para transportar droga;, exemplifica Ibanez. Além disso, o narcotráfico está infiltrando uma rede de colaboradores entre os investigadores. No Gefron, uma funcionária terceirizada fornecia informações aos traficantes, enquanto um policial que serviu no grupo foi preso com traficantes em Cáceres.
Reforço na fiscalização
Polícia Federal comprou mais dois Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants) para enviar, até o início do próximo ano, para os estados que fazem fronteira com os países produtores de cocaína. Outro aparelho, que estava em fase de testes, também será usado na fiscalização, depois de ter feito um mapeamento na Região Sul. A intenção do governo é que os Vants sejam usados pelas Polícias Especiais de Fronteira (Pefron), que estão sendo instaladas em 11 cidades brasileiras.
Pelos 16,8 mil quilômetros de fronteiras, a falta de fiscalização fez com que aumentasse não apenas o tráfico no país. Além da droga, cresceu também o contrabando, por causa das más condições das aduanas brasileiras. O problema foi relatado no livro Fronteiras Abertas, lançado pelo Sindicato dos Auditores da Receita Federal (Sindireceita). O jornalista Rafael Neves Godoi e técnicos do fisco percorreram 31 passagens terrestres e relatam situações de abandono e até mesmo de ameaça a servidores em algumas regiões pesquisadas.
;O Brasil está conversando com seus parceiros da fronteira para que haja uma integração de forças;, afirma o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. Segundo ele, a questão do tráfico de drogas já foi debatido com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e com ministros de Bolívia e Peru. ;No dia 15 também estaremos reunidos com os colombianos para tratarmos sobre o mesmo assunto;, diz Barreto. O ministro ressalta que as informações geradas pelo Vant poderão ser compartilhadas com os demais países da fronteira. Hoje, o Brasil possui levantamentos feitos no Sul de pelo menos 270 horas, tempo em que o aparelho ; de fabricação israelense ; voou em testes. (EL)
Refinaria no Rio
A operação de combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro descobriu ontem uma casa que era usada como refinaria de drogas em São Gonçalo. No local, os agentes apreenderam 500 pedras de crack, 1kg de cocaína em pasta e a droga já preparada para o consumo. Foram encontrados ainda celulares e uma agenda com anotações feitas por integrantes do tráfico.