Jornal Correio Braziliense

Brasil

Estudo tenta relacionar as doenças cardíacas com a vida em metrópoles

Estudo realizado em zonas rurais e grandes metrópoles de 20 países, incluindo o Brasil, tenta provar se o fato de viver em cidades grandes pode causar doenças cardíacas. Há cinco anos, 6,5 mil brasileiros participam da pesquisa, que deve apresentar os primeiros resultados no próximo ano. De acordo com os especialistas, o estilo de vida da população é fator determinante para o desenvolvimento de doenças do coração.

A pesquisa, denominada Pure ; da sigla em inglês do Estudo Prospectivo Epidemiológico Urbano e Rural ;, teve início em 2005 e envolve 150 mil voluntários que moram em zonas rurais e urbanas. Segundo o responsável pela pesquisa no Brasil, Álvaro Avezum, inicialmente a urbanização proporcionou melhora para a saúde da população, pelas condições sanitárias e de vacinação, entretanto, houve também aumento das taxas de tabagismo, sedentarismo, mudanças drásticas na alimentação ; com mais calorias e gorduras ; e aumento na carga de estresse emocional. ;Isso provocou mudanças no perfil de risco cardiovascular dos habitantes, proporcionando o desenvolvimento de obesidade, hipertensão arterial e diabetes, fatores de risco que, ao longo dos anos, aumentam as chances de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral;, alerta.

Durante 10 anos, os especialistas vão avaliar questionários que tentam descobrir se morar nas metrópoles causa aumento do colesterol, da hipertensão arterial, da obesidade e do sedentarismo e se ficam mais predispostos a diabetes. Além do questionário, os voluntários se submetem a exames clínicos e laboratoriais.

Separação
Segundo o especialista, o estresse emocional aumenta significativamente as chances de infarto do miocárdio e de acidente vascular cerebral. ;Na pesquisa, o estresse é avaliado questionando como a pessoa sente-se no domicílio, trabalho e em sociedade e se houve fator estressor importante durante o último ano, como separação conjugal, morte de familiar próximo, perda de emprego ou ruína financeira;, explica.

Outro fator que interfere na qualidade de vida dos habitantes de grandes cidades é a poluição. Especialista em poluição atmosférica e coordenador do Instituto Nacional de Análise de Risco Ambiental do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Saldiva afirma que as grandes cidades, principalmente nos países em desenvolvimento, estão crescendo numa velocidade maior do que o permitido pela infaestrutura urbana. ;As pessoas vivem cada vez mais em cidades que parecem desertos, sem cobertura vegetal nenhuma. Nessas cidades, as pessoas ficam mais tempo no trânsito respirando poluentes atmosféricos e expostas à pressão psicológica causada pelo tráfego e pela violência urbana;, lamenta. Saldiva defende que esses são fatores determinantes para desregular o estilo de vida dos habitantes.

;O risco de desenvolvimento de infarto agudo do miocárdio aumenta em duas vezes quando se está preso em um congestionamento. Isso ocorre porque se está respirando uma quantidade grande de poluentes, sem contar o estresse, o que intensifica e antecipa o efeito dessas substâncias;, avalia. De acordo com o especialista, estudos de grande duração mostram que ocorre uma redução da expectativa de vida proporcional ao nível de poluição média das cidades. ;Isso se dá devido às mortes causadas por câncer de pulmão, doenças respiratórias e infartos;, diz. E completa: ;Especialistas em cardiologia colocam a poluição do ar entre as três primeiras causas de risco de doença cardiovascular;.

Deteriorado
Mas, ainda segundo Saldiva, não é só a poluição que influencia a incidência de doenças cardíacas. ;Ilhas de calor e regiões de baixa umidade também. Este ano, quando São Paulo enfrentou uma seca similar aos níveis de Brasília, ocorreu aumento significativo do número de mortes causadas por doenças cardíacas na capital paulistana;, afirma. Para ele essa é a prova de que as alterações ; tanto por poluição quanto por clima urbano ; interferem muito na saúde das pessoas. ;O coração é um dos órgãos mais afetados e as pessoas com mais de 45 anos são as que correm mais risco;, alerta.

Saldiva diz que a grande maioria das ações da agenda ambiental do país está voltada para as florestas, os rios e as matas. ;O ambiente urbano é visto como deteriorado, já perdido.; ;Exemplo disso é que, para a construção do Rodoanel, foram necessários oito anos de estudo ambiental, mas para fazer uma avenida em qualquer lugar da cidade, não é necessário nenhum estudo de impacto ambiental;, compara.

MELHOR IR DE MULA

De acordo com o coordenador do Instituto Nacional de Análise de Risco Ambiental do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Paulo Saldiva, com o crescimento do número de carros na rua, ao invés de se ganhar mobilidade, se perde. ;Em São Paulo, faço o trecho de casa até a faculdade onde leciono a pé em uma velocidade média de 5km/h. O mesmo percurso de mula, meio de transporte utilizado no século 18, é feito a 16km/h. Hoje a média de um carro em determinados horários é de 8km/h. O padrão de mobilidade na capital sofreu um grande retrocesso;, exemplifica.

O analista de sistemas Agostinho Bezerra de Souza, 56 anos, sofreu o primeiro infarto em 2002. Ele conta que sempre praticou exercícios físicos e se preocupou com a alimentação, mas acredita que foram os anos de cigarro, estresse no trabalho e vida social agitada que resultaram nos problemas cardíacos. ;Sempre fui muito preocupado com a minha vida profissional e acabava dormindo muito pouco;, diz. Em 2006, Souza sofreu outro infarto. ;Mesmo com uma dieta ainda mais regrada e remédios para o coração, tive que passar por outra angioplastia;, lamenta. Há dois anos, Souza estava na academia quando mais uma vez sentiu o coração. Foi o terceiro infarto e seguido de mais uma angioplastia. ;Sei que meu coração é mais velho que eu. Hoje penso primeiro na minha saúde antes de aceitar mais carga de trabalho.; (CK)