Belo Horizonte ; Para salvar um dos mais belos e exuberantes patrimônios naturais de Minas Gerais, ambientalistas se debruçam sobre mapas e elaboram um projeto que amplia a área de proteção da Serra do Cipó. A ideia é dobrar o tamanho do parque nacional e preservar o cenário esculpido pela natureza a apenas 100 quilômetros de Belo Horizonte. Isso porque a contaminação do lençol freático e dos principais cursos d;água da região, o lançamento de esgoto e a ocupação desordenada dos territórios colocam em risco as riquezas de uma das mais importantes áreas verdes do estado.
O Parque Nacional da Serra do Cipó abrange 33,8 mil hectares nos municípios de Itambé do Mato Dentro, Jaboticatubas, Morro do Pilar e Santana do Riacho. Ele está localizado no coração de uma área de 133 mil hectares, a Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira. A proposta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, é que o parque tenha mais 33 mil hectares de área, que vão envolver também as cidades de Itabira, Nova União e Taquaraçu de Minas.
O processo está em fase de levantamento no ICMBio. O passo seguinte será a realização de audiências públicas para discutir as mudanças com a comunidade. Depois, o instituto fará a proposta de um decreto, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República e depois à sanção presidencial. A expectativa é de que todo o processo seja concluído em no máximo dois anos. Quem está à frente dos trabalhos é o chefe do parque, Henri Collet. ;Temos, na verdade, um parque metropolitano, pois 65% do município de Jaboticatubas está dentro dele. Se não fizermos a ampliação e protegermos essas riquezas da serra, o parque ficará, em poucos anos, isolado e rodeado por construções;, afirma.
Loteamentos irregulares e esgotos são as grandes ameaças à Serra do Cipó. Segundo Collet, falta diálogo entre as três esferas do Poder Público ; a municipal, a estadual e a federal ; para coibir as irregularidades. ;A legislação é muito boa e clara, basta ser cumprida;, ressalta. Para a liberação de novos empreendimentos, o primeiro ponto observado é se há reserva legal (20% de mata preservada) averbada no cartório de registro de imóveis e se o vendedor é realmente o dono do terreno. O segundo é a apresentação da área verde do projeto, que normalmente é destinada pela prefeitura para fins sociais: escola, praça, entre outros.
Licenciamento
O terceiro ponto é exigir a criação de áreas de proteção particulares (APPs) no entorno dos córregos, evitando, assim, que avenidas passem por cima dos cursos d;água. ;Se começar certo, haverá um loteamento ecologicamente correto. Bom seria se os empreendedores nos trouxessem o projeto para avançarmos juntos e definirmos exigências, como está ocorrendo em alguns casos. Isso evita demora e embargos. Temos processos em andamento no ICMBio há mais de cinco anos;, conta Collet.
Os problemas envolvem desde a criação de condomínios de luxo até o parcelamento desordenado de fazendas para a formação de bairros inteiros. Atualmente, na região, mais de 250 lotes estão em fase de licenciamento, o que gera outro agravante ao problema: o aumento da emissão irregular de esgoto. Uma das exigência na aprovação do loteamento é a instalação da fossa séptica, mas, por causa da falta de fiscalização, nem sempre a cláusula é obedecida. Segundo Collet, a maioria das casas na região da Serra do Cipó tem a chamada fossa negra, que lança os dejetos diretamente na terra. Ele faz um alerta: ;O lençol freático da região está contaminado por coliformes fecais, segundo análises da Copasa. Ninguém sabe a dimensão do problema, pois, há 10 anos, estimava-se a existência de 60 fossas. E hoje quantas são? Há quase 800 casas;.
Um dos condomínios considerados irregulares é o Bosque do Sol, construído ao pés da serra, na área conhecida como Mãe D;Água, onde está uma das cachoeiras mais famosas da região: a Véu da Noiva. Projetado para 483 lotes, cerca de 300 foram vendidos. Há cerca de 10 casas de veraneio no local e, pelo embargo do órgão federal, decretado em 1996, nem mesmo luz elétrica pode ser instalada. Os proprietários terão direito à desapropriação. Os responsáveis pelo loteamento não foram encontrados para comentar a situação.
Paraíso de águas turvas
Por baixo da travessia conhecida como Ponte da Dona Elza, no trecho que dá acesso à cidade de Santana do Riacho, a água, que há 10 anos era cristalina e tinha volume bem maior, corre numa cor turva e com tons cinza e esverdeado. O avançado estágio de degradação do Córrego do Soberbo é nítido e, se não fosse essa situação, seria um importante afluente do Rio Cipó. Do alto da serra, onde nasce, até o centro urbano, são cerca nove quilômetros. As intervenções ao longo do ribeirão começam um pouco depois da nascente, onde ele é represado por um clube e por uma pousada para servir de piscina natural.
A geógrafa e professora Fernanda Loyola, 27 anos, aponta a urbanização, a captação e o represamento da água, o uso das margens do ribeirão e a falta de compensações ambientais como fatores que contribuem para a poluição do rio. ;A partir do momento em que se capta a água e a represa no melhor ponto do curso, há impedimento para o rio correr naturalmente. O problema é que a legislação municipal é falha em relação a isso, pois a maioria das pessoas tem a outorga de captação;, diz.
O lançamento de esgotos diretamente na terra e as fossas também são considerados grandes problemas. ;A comunidade ribeirinha não é a culpada, pois lhe falta informação e ela não sabe que causa um mal maior com essas atitudes. Mas o progresso está chegando, a cidade, crescendo, e falta planejamento, que está sendo feito agora.;
Um levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, mostra que, de maio de 2000 a janeiro de 2010, 80% das amostras coletadas no Rio Cipó ultrapassaram o padrão aceitável de 200 coliformes por 100 mililitros de amostra. O rio nasce dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó. Por isso, dentro desses limites é cristalino. A partir da saída do santuário ecológico, surgem as áreas degradadas. Pesam o lançamento de esgoto e as atividades agropastoris, que contribuem com o assoreamento e a erosão.
O ponto analisado pelo instituto fica perto do Rio Paraúna e abrange toda a contribuição urbana do Cipó. Mesmo assim, o índice de qualidade da água (IQA) ainda alcança níveis satisfatórios. Em 2003, foi constatado IQA muito ruim, mas, desde 2004, os índices estão entre bom e médio. ;Por enquanto, temos no Cipó uma situação que pode ser revertida aos níveis de excelência, diferentemente do que observamos em cursos d;água da Grande Belo Horizonte;, afirma Zenilde Viola, gerente de Monitoramento e Geoprocessamento do Igam.