Leandro Kléber
Especial para o Correio
Pelo menos 12 arrastões foram registrados neste mês nas duas maiores cidades do país. No Rio de Janeiro, grupos armados roubam carros e pedestres em diversos pontos da cidade. Em São Paulo, os arrastões acontecem em condomínios residenciais fechados, de preferência, luxuosos. ;Na hora, pensei que ia morrer. Nunca imaginei que isso aconteceria comigo. A gente só vê essas coisas na televisão. Eram uns oito caras fortemente armados. É uma situação muito difícil. Nós, reféns, ficamos mais de duas horas presos na casa do zelador;, contou ao Correio, ontem, um dos porteiros do Edíficio Vila Velha, em Higienópolis, capital paulista, roubado no último dia domingo. Ele preferiu não se identificar.
Enquanto os moradores reclamam da insegurança, as secretarias de Segurança Pública dos dois estados não têm bases de informações concretas sobre os arrastões, que permitam, ao menos, um cruzamento de dados. Assim, fica impossível precisar a quantidade desses crimes nos últimos anos.
No caso do Rio de Janeiro, o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão governamental responsável por pesquisas e análise criminal, não tipifica e, portanto, não quantifica o crime de arrastão. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado, as ocorrências policiais dessa natureza são registradas como roubo a transeunte, quando levam apenas pertences; roubo de celular, se o telefone for roubado; e roubo de veículo, caso o carro seja roubado. Na última quinta-feira, bandidos tentaram roubar um carro perto da Lagoa Rodrigo de Freitas e, na fuga, trocaram tiros com policiais. Pedestres, apavorados, correram para dentro de uma farmácia e os criminosos fugiram.
Em São Paulo, a secretaria começou a contabilizar dados sobre arrastões em condomínios fechados apenas a partir de 2010. Sobre antes não há nenhum levantamento oficial. Entre janeiro e outubro deste ano, 19 arrastões foram registrados na capital paulista, a maioria nas regiões sul e oeste da cidade. Os objetos mais visados são equipamentos eletrônicos, dinheiro e joias. Tanto na capital paulista quanto na carioca, as vítimas costumam registrar boletim de ocorrência. Em SP, de acordo com a polícia, 39 pessoas já foram presas.
Para Antônio Flávio Testa, sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador de violência social e políticas de segurança pública, a metodologia de contagem dos arrastões terá que ser adaptada à realidade. ;Do contrário será muito difícil avaliar o impacto dessas práticas criminosas e planejar políticas públicas eficazes;, avalia. Segundo ele, o fato de as secretarias não trabalharem com dados concretos mostra despreparo do Estado no combate ao crime.
;Mas provavelmente os arrastões estão ocorrendo porque a presença das unidades de polícia pacificadoras (UPPs) tem impedido o tráfico em algumas regiões do Rio. Em São Paulo, a presença do Estado também tem se fortalecido, mas a capacidade de adaptação do crime organizado não pode ser subestimada. Se uma modalidade de crime diminui é porque, na maioria das vezes, migrou para outra prática;, afirma.
Para o coordenador Tião Santos, da ONG Viva Rio, a instalação das unidades pacificadoras, ;bem-vidas e necessárias;, também tem relação com o aumento dos arrastões na capital fluminense. Ele acredita que os arrastões são um fenômeno novo, mas que devem ser reconhecidos pelo Estado. ;Primeiro, é preciso reconhecer que eles existem. A melhor forma de se resolver o problema é ter consciência dele. Se a Secretaria de Segurança Pública não considera o dado, fica mais difícil de resolver. É nítido que os bandidos estão se deslocando;, avalia. ;Acho que a polícia não estava preparada para combater esse novo crime, pois esse fenômeno é recente;, diz.
Apesar da quantidade de incidentes registrados neste mês no Rio, a secretaria afirma que os roubos de veículos estão em queda há 15 meses, assim como roubos de rua, em coletivos e de celulares.
Aumento do efetivo
O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, argumenta que o governo estadual tem ampliado o efetivo policial por meio de concursos e enxugado os setores burocráticos. ;Não há mágica para conter roubos, precisa-se de policiais militares nas ruas e de investigação da Polícia Civil para prender as quadrilhas, em geral, especializadas no roubo de carros. Há cerca de um mês, mais uma dessas quadrilhas foi desmembrada;, afirmou ao Correio.
Segundo Beltrame, até 2014, o efetivo da PM subirá de cerca de 40 mil para 65 mil. ;A PM também está comprando 325 motocicletas para melhorar a velocidade do patrulhamento nas ruas. Além disso, a Secretaria de Segurança está construindo um moderno centro de comando de câmeras que vai triplicar a capacidade de monitoramento da cidade, utilizando equipamentos da CET-Rio (Prefeitura) e outros órgãos;, diz.
PALAVRA DO ESPECIALISTA
Reação do crime
;Quando as comunidades no Rio de Janeiro são ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), os grandes traficantes se deslocam para outras regiões da cidade, como Zona Oeste e Baixada Fluminense. Mas a mão de obra que trabalha para o tráfico fica no local, sem condições de obter o mesmo lucro de antes, pois já não tem território e armamento. Isso gera uma reação dos bandidos, que tentam manter os seus negócios. Os arrastões são consequência desse processo. É importante lembrar que, ap1esar de bem-vindas, as UPPs estão em 13 comunidades e hoje há mais de mil favelas no Rio;.
Tião Santos, coordenador da ONG Viva Rio
Outubro, mês da desordem
São Paulo
Dia 24
Cerca de 10 homens armados entraram em um condomínio de luxo na Avenida Higienópolis, região central de São Paulo. Eles roubaram joias, dinheiro e aparelhos eletrônicos em pelo menos 12 apartamentos, durante uma hora e meia.
Dia 23
Na madrugada do sábado passado, o assalto foi em um edifício da Rua Fortunato, no bairro de Santa Cecília. Os criminosos conseguiram invadir cinco apartamentos, amarraram os moradores e levaram dinheiro, aparelhos eletrônicos, joias e objetos pessoais.
Dia 21
Armado de pistolas e metralhadoras, um grupo com pelo menos oito homens invadiu e realizou um arrastão, entre as 20h30 e as 21h40 no condomínio de casas localizado no Alto da Boa Vista, região de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Eles recolheram notebooks, aparelhos eletrônicos, celulares e dinheiro.
Rio de Janeiro
Dia 26
Homens armados realizaram um arrastão por volta das 20h na Rua Quirino dos Santos, no Jardim Guanabara, Ilha do Governador, Zona Norte
do Rio de Janeiro.
Dia 23
Dois carros foram roubados em um arrastão na Linha Vermelha, na Ilha do Governador, pela manhã. Oito bandidos estavam divididos em dois veículos e, armados com pistolas, bloquearam o trânsito e abordaram as vítimas. Eles levaram até um cordão de ouro de um bebê de um ano.
Dia 21
Na Rua 24 de Maio, no bairro do Sampaio, Zona Norte, em questão de minutos, quatro motocicletas fecharam a pista, enquanto ocupantes de pelo menos três carros tiveram de entregar dinheiro, celulares e bolsas.
Dia 18
No Humaitá, Zona Sul, três homens armados bloquearam o trânsito e roubaram pertences de ocupantes de três carros, além das chaves de dois deles.
Dia 15
Quatro bandidos armados com revólveres promoveram um arrastão à noite, no Túnel Santa Bárbara. Eles roubaram dois carros e saquearam os ocupantes de pelo menos outros três veículos.
Dia 14
Era uma noite de quinta-feira e pelo menos 10 pessoas tiveram pertences roubados durante um arrastão promovido por bandidos na Fazenda Botafogo, Zona Norte. Uma mulher foi baleada.