Há quase uma semana, Márcia Regina de Souza Pacheco, 30 anos, esteve em uma delegacia de Itajaí (SC) para registrar queixa de ameaças feitas pelo ex-marido, que a matou, em seguida, quando ela deixava o local. Apesar do desfecho trágico, o número de relatos tem aumentando na Central de Atendimento à Mulher, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, ligada à Presidência da República. As estatísticas deste ano mostram que, de janeiro a setembro, foram feitas mais de 550 mil queixas de agressões, ameaças e cárcere privado. Um crescimento de mais de 123% em relação ao mesmo período no ano passado. Isso equivale a 38 mil casos diariamente em todo o país. O Distrito Federal lidera o ranking de denúncias levando em conta o tamanho de sua população.
Violência invisível
Os técnicos avaliam que o crescimento no número de denúncias não representa o aumento das agressões, e sim das queixas. Um dos motivos foi a Lei Maria da Penha(1), que hoje representa 50% das ocorrências registradas na Central de Atendimento à Mulher. "A violência contra a mulher sempre foi invisível. Sempre diziam que, em briga de marido e mulher, não se mete a colher. Mas hoje elas estão mais decididas a denunciar, principalmente depois da lei", afirma a secretária de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Aparecida Gonçalves.
De janeiro a setembro, a Central recebeu 88.960 queixas de violência (veja quadro), a maioria relacionada à agressão física, que totalizou 51.736 casos. Em segundo lugar, vem a violência psicológica, com 22.897 ocorrências, seguida pela agressão moral (10.569 denúncias) e pela patrimonial (1.526 casos). Apesar de registrar apenas 1.873 relatos, a violência sexual foi a que teve maior crescimento em 2010 e é uma das agressões que mais preocupa as autoridades. ;Ainda existem muitos tabus, como o de chegar a um hospital ou a uma delegacia;, conta Aparecida.
A secretária explica que, muitas vezes, o policial está despreparado para atender as vítimas ou o faz de forma inibidora. Uma delas é falar à agredida que seu companheiro pode ser preso por causa da Lei Maria da Penha. A legislação, porém, só determina a detenção quando houver a necessidade de adotar medida protetiva de urgência ; casos em que a vida da mulher correr risco ; ou quando há flagrante. "Além disso, há o descrédito em relação à palavra da mulher, mas é importante que a autoridade policial apure, que investigue se o agressor tem arma, como ocorreu a violência, entre outras coisas", diz Aparecida.
O descaso com a queixa das mulheres foi uma das causas do assassinato de Márcia Regina, em Santa Catarina, que denunciou sete vezes o seu ex-marido. No início do ano, Maria Islaine de Morais, 31 anos, foi morta no salão de beleza onde trabalhava. O criminoso também foi seu ex-companheiro, contra quem ela já havia feito cinco queixas na polícia. As duas vítimas tinham o mesmo perfil das mulheres que sofrem ameaças, são agredidas ou vivem em cárcere privado no Brasil. A maior parte delas ; cerca de 35% ; tem o ensino fundamental, enquanto que 29% têm o ensino básico. A faixa etária das agredidas fica entre 25 e 50 anos, que representa 67% do total dos registros. Os agressores têm a mesma média de idade das vítimas.
O balanço mostra também que a violência é praticada dentro de casa. Dos casos registrados, 72,1% são de vítimas que moram com o parceiro, sendo que 57,9% estão casadas com o agressor e 39,6% sofrem de violência desde o início da relação. Outros 14,7% das queixas feitas à central foram de ex-namoradas. ;Há também a violência psicológica, que é quando a vítima sofre de menosprezo por parte do parceiro;, afirma Aparecida. Esses tipos de casos representaram quase 23 mil denúncias, menor apenas que as lesões corporais. A fim de enfrentar esse tipo de crime, a Secretaria de Políticas para as Mulheres fez um acordo federativo para planejar a implementação de ações integradas.
(1) Prevenção legal
Promulgada em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha foi criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O nome foi uma homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi agredida pelo ex-marido durante seis anos. Ela ficou paraplégica depois de ser vítima de duas tentativas de assassinato. O agressor só foi preso 19 anos depois de ser julgado. Mesmo assim, permaneceu detido por apenas dois anos.