Já se passaram 11 anos desde que a rotina de Alessandro Lemos, 30, mudou em função das constantes visitas ao hospital em busca de sangue novo. Três vezes por semana, durante quatro horas, Alessandro vai ao encontro da máquina de hemodiálise, que faz o que seria atribuição de um rim saudável: a filtragem do sangue, com a retirada de substâncias indesejáveis, como a ureia. ;Desde que meu rim não funciona, não consigo trabalhar. Fico muito tempo em tratamento, saio da hemodiálise fraco. Minha vida ficou dependente de uma máquina, e passei a viver só para cuidar da minha saúde;, conta. As limitações do rapaz são únicas, mas certamente poderiam ser compreendidas e compartilhadas por outros 60 mil brasileiros. Assim como Alessandro, eles aguardam um novo órgão ou tecido. E a esperança de receber a parte do corpo que lhes faz falta se torna, muitas vezes, o que os mantém vivos.
De um lado estão os pacientes que integram listas de espera de doação de órgãos e tecidos das secretarias de Saúde de todos os estados. Do outro, os possíveis doadores, que podem estar vivos ou falecidos. Uma pessoa saudável pode doar, desde que a própria saúde não seja prejudicada, um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea e parte do pulmão. Já uma pessoa que faleceu em função de uma morte encefálica ; vítimas de catástrofes cerebrais como traumatismo craniano ou derrame cerebral ; pode salvar inúmeras vidas com a doação de coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, veias, ossos e tendões. Se a relação de reciprocidade parece simples, por que ainda há inúmeras dificuldades de transplante no Brasil? O Ministério da Educação apontou ontem duas importantes questões, ligadas especialmente ao doador falecido: primeiro, apenas 50% das mortes cerebrais são notificadas pelos servidores dos hospitais. E quando a morte é notificada e informada aos familiares, 24% destes não autorizam a cirurgia para a realização de um possível transplante.
O paciente Alessandro Lemos acredita que um outro fator influencia sua dificuldade em conseguir um novo rim: a desorganização da rede pública de saúde. ;Eu já saí da lista de transplantes várias vezes porque não consigo manter meus exames atualizados. Quem precisa de transplante não é priorizado. Quando eu faço um exame, outro já venceu;, aponta. Ontem, quando foi comemorado o Dia Nacional do Doador de Órgãos e Tecidos, o Ministério da Saúde anunciou um investimento de R$ 76 milhões para aumentar, em 20%, a quantidade de transplantes a ser realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ; em 2009, foram feitos 20.253 procedimentos no SUS, número 59,2% maior daquele observado em 2003 (12.722 cirurgias).
As medidas anunciadas pelo Ministério da Saúde visam atingir, por um lado, a população e, por outro, o próprio sistema de saúde. Até o próximo 6 de outubro, a pasta irá veicular a Campanha Nacional de Doação de Órgãos 2010 em diversos veículos de comunicação. Com o slogan Seja um doador de órgãos. E, só assim, serei feliz. Bem feliz, a campanha estará focada no incentivo à doação, por meio de uma mensagem de solidariedade. Já o sistema de saúde deverá receber investimentos voltados à melhoria da infraestrutura, à atualização da remuneração de procedimentos vinculados aos transplantes e à capacitação.
Os investimentos virão a partir de três portarias, assinadas ontem pela ministra interina Márcia Bassit e pelo secretário de Atenção à Saúde do ministério, Alberto Beltrame. De acordo com os documentos assinados, R$ 30 milhões serão investidos, por ano, no reajuste de valores repassados para a realização de exames complementares de morte encefálica e nos procedimentos de transplantes para doação de órgãos. ;Com esse investimento, esperamos que os hospitais mobilizem mais profissionais para a realização dos procedimentos. Estamos valorizando o servidor da saúde;, afirmou Beltrame. O secretário destacou, ainda, o investimento de R$ 10 milhões na qualificação dos profissionais, que será feito em parceria com hospitais de excelência e universidades. ;A capacitação fará com que se diminua a discrepância de procedimentos entre um estado e outro do Brasil;, disse. Reportagem publicada no Correio no último dia 12 revela que, enquanto em São Paulo o número de doações é de 22,76 para cada 1 milhão de pessoas, esse número é de apenas 0,81 para cada 1 milhão no Pará. Uma das funções importantes dos profissionais de saúde é conversar com as famílias sobre a doação no momento da morte encefálica de parentes.