Belo Horizonte ; Depois de sete meses de angústia e sofrimento, a Justiça pôs um ponto final no
drama da jovem Roberta Alves da Silva, de 19 anos. Grávida de um bebê anencéfalo (sem cérebro) e
com má-formação na coluna vertebral, Roberta precisou enfrentar uma batalha judicial para
interromper a gestação. No fim de junho, um juiz da Comarca de Contagem, cidade onde a jovem
mora, na Grande Belo Horizonte, negou o pedido de aborto. Os advogados recorreram ao Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, há duas semanas, concedeu a autorização. O aborto foi feito
em 28 de agosto, mas o caso só foi divulgado ontem. Passados 14 dias do fim do suplício, Roberta
ainda reúne forças para superar o trauma.
;Foi tudo muito desgastante. Primeiro, custei a acreditar no que os médicos diziam, pois é
difícil aceitar que o filho que você carrega no ventre não vai sobreviver depois do parto.
Passado o susto desse diagnóstico, começou a briga na Justiça, que só aumentou meu sofrimento;,
conta Roberta, que encontrou apoio da família e do namorado Marcos Paulo Lacerda de Souza, um
ano mais novo. Antes de entrar com o pedido judicial para interromper a gravidez, ela fez três
exames de ultrassonografia e obteve dos médicos um laudo que atestava que o feto era ;portador
de anomalia irreversível, (;) o que resulta em probabilidade de morte em 100%;.
Apesar do atestado, a Justiça da Comarca de Contagem negou o pedido de aborto, sob o argumento
de que ;a legislação pátria assegura os direitos do nascituro;. O caso foi então levado à 9;
Câmara Cível do TJMG que decidiu, por unanimidade, autorizar a interrupção da gestação. Em seu
voto, o relator do recurso, desembargador José Antônio Braga, afirmou que ;não se quer evitar a
existência de uma vida vegetativa, mas sim paralisar uma gravidez sem vida presente ou futura;.
Ele ainda acrescentou que o prosseguimento da gravidez poderia gerar danos à integridade física
e mental da gestante e de seus familiares, portanto ;o princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana deverá prevalecer sobre a garantia de uma vida meramente orgânica;.
Contrários
Belo Horizonte assistiu, há três meses, a um drama semelhante ao de Roberta. Depois de descobrir
a gravidez de um feto anencéfalo, um casal pediu à 1; Vara Cível da capital para interromper a
gestação, que já estava na 19; semana ; uma gravidez normal dura de 38 a 40 semanas. A
autorização foi negada em primeira instância e, apenas em 17 de junho, desembargadores da 13;
Câmara Cível do Tribunal de Justiça aceitaram o pedido.
O direito brasileiro só autoriza o aborto em dois casos: se a mãe correr risco de morte ou o
bebê for fruto do crime de estupro, conforme o Código Penal, sancionado em 1940. Desde então,
mulheres grávidas de um feto sem cérebro precisam recorrer ao Judiciário para conseguir
interromper a gestação. O problema é que a Justiça brasileira ainda não criou uma jurisprudência
sobre o assunto. No próprio TJMG há desembargadores contrários e favoráveis ao aborto de fetos
anencéfalos. Em 2006, um casal teve negado o pedido para interromper a gravidez. No ano
seguinte, uma mulher conseguiu pôr fim à gestação, mas um dos três desembargadores que julgaram
o caso foi contrário ao aborto.
O imbróglio só será resolvido quando os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgarem
a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada, em 2004, pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A ADPF pede que, nesse tipo de
ocorrência, os artigos do Código Penal que tratam do crime de aborto não sejam aplicados à mãe e
aos profissionais da saúde que contribuírem para encerrar a gestação. Porém não há data prevista
para que a ação seja julgada. Por isso, os juizes continuarão encontrando divergências sobre o
tema, mas o único caminho para os casais que vivem drama parecido ainda é o da Justiça.