Jornal Correio Braziliense

Brasil

Alunos indígenas fora da Censo brigam para manter estudos mesmo sem recurso

Em 15 escolas da tribo indígena ianomâmi, localizadas em Roraima, cerca de 300 estudantes aprendem uma nova lição este ano: a de que é preciso continuar estudando, ainda que eles não existam, oficialmente, para o Estado. E não existir, nesse caso, significa não receber dinheiro para o material didático, para a merenda escolar e para garantir o próprio funcionamento da escola. Essas unidades não foram incluídas no Censo Escolar 2009 e, para garantir a inclusão no cadastro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) deste ano, tiveram que apelar ao Ministério Público. No último dia 19, dois Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) apresentados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual (RR) foram assinados para garantir os direitos legais de as escolas indígenas serem cadastradas.

De acordo com o coordenador de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação (MEC), Gersem Baniwa, as escolas indígenas podem, eventualmente, não ser cadastradas por motivos adversos como a dificuldade de acesso às unidades, o custo de se chegar até elas ; no caso do transporte aéreo ;, os problemas de comunicação e até o nomadismo de algumas comunidades. ;Muitas vezes é preciso percorrer enormes distâncias para fazer o cadastramento anual dessas escolas. Mas ainda que seja uma tarefa difícil e que ainda exija muito recurso, mais de 95% das escolas indígenas do país fazem parte do Censo Escolar;, argumenta Baniwa. Além da região dos ianomâmis, o coordenador aponta ainda outras duas com acessos mais complicados: a Terra Indígena Vale do Javari (AM) e o Parque Indígena do Tumucumaqui (PA/AP).

O Instituto Socioambiental, uma das instituições que acionaram o Ministério Público na defesa da educação indígena do estado, afirma que as motivações para a exclusão de escolas da região foram outras. Entre elas, o pouco tempo para o cadastramento e a não aceitação de particularidades vinculadas à tradição dos povos indígenas. ;Em alguns casos, a Secretaria de Educação desconsiderou escolas que estavam em funcionamento por causa de questões vinculadas à tradição. Nessas tribos, por exemplo, os rituais se sobrepõem ao calendário formal. Por isso, muitas vezes a educação existente não consegue se encaixar nos exigidos 200 dias letivos da educação formal. A educação ianomâmi também não é seriada, como o Censo exige. Essa exigência só faz com que as séries sejam forjadas, sem corresponder à realidade;, defende a coordenadora do projeto de Educação do Instituto Socioambiental (ISA), Lídia Montanha Castro.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação de Roraima, mas não obteve retorno até o fechamento da edição. O TAC foi assinado pela secretaria, pelo Conselho Estadual de Educação de Roraima, pelo Inep e pela Funai.

O cadastramento de escolas indígenas é, financeiramente, benéfico aos estados. Isso porque a verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por aluno, é 20% superior no caso da destinação à educação indígena. No caso da verba destinada à alimentação, é 40% superior. O secretário executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena Iepé, que realiza formação de professores em comunidades indígenas do Amapá e do norte do Pará, afirma que, no entanto, o recebimento da verba não corresponde à melhoria das unidades indígenas, na região. ;Os estados começaram a receber verba destinada à educação indígena, mas as escolas não começaram a ter mais apoio estatal nem em infraestrutura, nem em formação.;

Aumento
Apesar do cenário de dificuldade de acesso e não cadastramento de algumas escolas, o Ministério da Educação aponta um aumento no número de matrículas de estudantes indígenas, entre 2003 e 2008, de 165.021 para 205.871. Um fator que promete não só aumentar ainda mais o número de matrículas como também qualificar a educação indígena foi a publicação do Decreto n; 6.861/2009, de 27 de maio. O decreto cria territórios etnoeducacionais, com o objetivo de articular diversos órgãos públicos para o atendimento diferenciado aos povos indígenas por meio de etnias ; e não mais por unidades da Federação. Ontem e anteontem, em Roraima, uma reunião criou uma comissão para gerir o território onde os ianomâmis se encontram. O Ministério da Educação afirma que, a partir da criação dos territórios, será mais facilitada a atuação das diferentes esferas de governo na educação indígena, assim como a fiscalização da aplicação da verba.

Os desafios do novo presidente

As prioridades na educação do próximo governo serão conhecidas tão logo o presidente eleito ocupe sua cadeira e efetive as promessas que permeiam seus discursos. Mas se depender de 27 instituições da sociedade civil, essas prioridades já estão traçadas e prontas para serem implementadas. Elas lançaram ontem uma carta-compromisso com sugestões ; ou ;desafios; ; para os próximos governantes, discriminando ações relacionadas a quatro compromissos principais: a ampliação adequada do financiamento da educação pública, a implementação de ações concretas para a valorização dos profissionais da educação, a promoção da gestão democrática e o aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação. A carta será entregue aos três candidatos à Presidência com mais êxito nas pesquisas de intenção de voto até agora, ou seja, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.

O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Antonio Ronca, frisa a importância da carta: ;Nós defendemos questões que, se o próximo governo não escolher cumprir, teremos que convencê-lo a cumprir. São desafios básicos, já determinados pela Constituição, como a inclusão de todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos na escola. Trata-se do direito à educação;, defende. Além dessa medida, que está determinada para ser cumprida até 2016, a carta elencou outras questões como a universalização do atendimento da demanda por creche, manifestada pelas famílias, nos próximos dez anos; a superação do analfabetismo, especialmente entre os brasileiros com mais de 15 anos; e o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade para todas as escolas brasileiras.

Um dos pontos mais polêmicos, no entanto, está ligado ao financiamento. A carta prevê a destinação de 10% do PIB para a educação pública, até 2014 ; atualmente são vinculados cerca de 4,7%. As instituições ainda definem a divisão do montante: 8% devem ser investidos em educação básica e os outros 2%, na ampliação e qualificação do ensino superior público. Entre as instituições que assinaram a carta estão a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Unesco, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento Todos Pela Educação. (LL)