Uma nuvem de fumaça carregada de monóxido de carbono (CO) e de outras partículas poluentes cobre os estados do Pará, de Mato Grosso e de Rondônia. Em Porto Velho (RO), por causa da poluição do ar quase três vezes superior à existente hoje em São Paulo, mais de mil crianças foram atendidas, somente neste mês, com algum problema respiratório pela rede pública de saúde.
As reservas de cerrado em Goiás e Tocantins ardem em chamas. Na unidade de conservação mais rica em biodiversidade no país, o Parque Nacional das Emas, em Mineiros (GO), o fogo consumiu 98% da vegetação. No Parque Nacional do Araguaia, que preserva uma área de transição entre cerrado e Amazônia, em Tocantins, quase metade da área já foi transformada em cinzas. Décadas inteiras serão necessárias para a vegetação voltar a florescer.
Blecaute no Acre, aeroportos fechados na Região Norte, consumo recorde de energia nas residências, diminuição expressiva dos reservatórios das hidrelétricas, risco de desabastecimento de água: a seca prolongada no país ; com consequentes baixa umidade do ar e explosão das queimadas ; vem provocando prejuízos constantes à saúde pública, para o meio ambiente e para a economia. Com índices críticos de umidade, focos de incêndio e poluição do ar, estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste são os mais penalizados.
A umidade do ar chegou a 12% em Goiânia (GO) ontem, o pior índice dentre as capitais brasileiras. Abaixo de 12%, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera estado de emergência. Em São Paulo, a umidade ficou em 13%. Em outras quatro capitais, o índice foi de 20% ou menos ; o que significa estado de alerta.
O prolongamento da estiagem fez o número de queimadas atingir o recorde em agosto. São quase 21 mil focos de calor registrados nos primeiros 24 dias do mês pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ou seja, 227% a mais do que no mesmo mês do ano passado.
O lançamento de monóxido de carbono na atmosfera por causa da intensificação das queimadas, que se soma a outras partículas poluentes diretamente responsáveis por doenças respiratórias, resulta em superlotação de unidades públicas de saúde, principalmente as especializadas no atendimento à criança. Sem chuvas há mais de 30 dias, com mais de 2 milhões de toneladas de CO; lançados na atmosfera somente neste mês, Rondônia passa por essa situação.
;Está muito seco, há fumaça, faz muito calor;, lamenta o diretor clínico do Hospital Infantil Cosme e Damião de Porto Velho, Daniel Pires de Carvalho. A unidade de saúde é administrada pelo governo de Rondônia e presta atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por causa do tempo seco, a proporção de crianças com asma, bronquite, pneumonia e rinite alérgica aumentou de 20% para 30%.
Rodízio
Dentro de casa, as famílias passaram a gastar mais energia elétrica por causa do calor. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo residencial entre janeiro e julho deste ano é o maior já registrado desde 2001. Na direção contrária, os reservatórios das principais hidrelétricas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste estão com volume bem menor do que o registrado no mesmo período do ano passado. Na hidrelétrica de Emborcação, o volume útil de água caiu de 78,7% em 2009 para 45,6% no mesmo mês deste ano.
Falta água também para o abastecimento das cidades. No interior de Mato Grosso do Sul, se não chover até o fim de setembro, a empresa de saneamento do estado planeja instituir um rodízio no fornecimento de água. ;Fica difícil manter o abastecimento. Estamos pedindo para as pessoas economizarem;, diz o gerente comercial da Sanesul, Onofre Assis.
No estado vizinho, Mato Grosso, a agricultura sente os efeitos da seca. No ano passado, foram colhidas 80 sacas de milho por hectare. Neste ano, não passou de 68 sacas. A estiagem prolongada prejudica o pasto do gado e o próprio plantio da soja, que deve começar no próximo mês. Um incêndio num assentamento em Sorriso matou 50 cabeças de gado. Plantações de milho também já foram consumidas pelo fogo. O estado é um dos que mais sofrem com queimadas.
O fogo rápido no Parque Nacional das Emas, em Goiás, consumiu quase toda a reserva. Da última vez em que houve um incêndio dessa proporção, em 2004, 800 tamanduás-bandeira foram encontrados mortos, quantidade de animais que não foi localizada neste ano. É um indicativo de que as populações de diversas espécies não estão conseguindo se recompor. Os incêndios são mais rápidos e devastadores do que o ciclo da natureza. ;Serão anos para o parque se recuperar, um prejuízo incalculável para o cerrado;, afirma o biológo Leandro Silveira, presidente do Instituto Onça-Pintada, que atua na reserva.