Jornal Correio Braziliense

Brasil

Procuradores alertam para a exploração indevida no litoral cearense

Foram detectados problemas no lençol freático, nos estudos ambientais do Aquiraz Riviera e com o aumento da prostituição

Aquiraz (CE) ; O Ministério Público Federal (MPF) constatou graves ocorrências ambientais no empreendimento Aquiraz Riviera, classificadas como ;evidentes e indiscutíveis;, por infringirem normas legais e por inconsistência nos estudos apresentados para a emissão das licenças ambientais. Entre as irregularidades estão a excessiva exploração de águas subterrâneas para regar o campo de golfe, a intervenção em dunas fixas para a implantação do área esportiva e a capacidade insuficiente do aterro sanitário do município. A ação civil pública do MPF corre na Justiça Federal no estado, mas não conseguiu suspender as obras.

[SAIBAMAIS]Os procuradores federais Alessander Sales e Márcio Andrade Torres investigaram a paisagem e constataram que houve ;rebaixamento artificial do relevo, por meio de escavações, até atingir o lençol freático;. Segundo eles, a excessiva exploração das águas do Aquífero Dunas pode provocar sua salinização e desencadear impactos diretos na qualidade do insumo. Os procuradores acrescentaram que a água subterrânea estaria sendo drenada para pequenas lagoas da acumulação.

A segunda irregularidade refere-se à intervenção em dunas fixas para a implantação da zona esportiva, com substituição da vegetação nativa por espécies exóticas. O Plano de Controle Ambiental (PCA) do Campo de Golfe registra: ;Será realizada a limpeza da área do projeto por meio da retirada das espécies vegetais. A limpeza do terreno será feita de forma mecanizada, com uso de trator, destacando que, em alguns pontos da área, a vegetação pioneira é muito aberta, ocorrendo locais onde ainda não há recobrimento de cobertura vegetal (dunas móveis), restringindo as superfícies a serem desmatadas;.

;Essa intervenção não é admitida pela legislação vigente;, ressalta o texto da ação civil. Na vistoria realizada em abril de 2008, os procuradores foram informados que a grama da praia (Paspalum vaginatum) implantada no campo de golfe seria de origem estrangeira, não tendo sido apresentada comprovação da procedência nem aprovação por parte do Ministério da Agricultura. ;A introdução de espécies exóticas pode ser extremamente prejudicial para as nativas, sendo a proliferação desse tipo de espécie a maior causa de extinção de exemplares nativos que se conhece;, comentaram os procuradores.

O aterro sanitário de Aquiraz foi projetado para atender uma população de 43 mil habitantes, com previsão de vida útil até 2017, com capacidade máxima para 300 mil toneladas. Em 2008, o aporte de resíduos sólidos já somava 361 mil toneladas. ;Após o funcionamento do Aquiraz Riviera, com população de 20 mil pessoas, não haverá sítio planejado para recepcionar 7,3 mil toneladas de resíduos por ano;, concluíram os procuradores.

Prostituição

O MPF também exigiu diagnóstico sobre um eventual aumento da prostituição no município em decorrência do empreendimento. Segundo a empresa de consultoria contratada pela Aquiraz Riviera, a atividade será combatida com programas sociais. Mas não foi constatada a inclusão de programa de educação sexual no estudo de viabilidade ambiental nem foi realizado levantamento sobre a influência do turismo no incremento da atividade.

;Exigências cumpridas;

O empreendimento Aquiraz Riviera enviou nota ao Correio afirmando que o complexo se pauta pelo cumprimento de todos os requisitos exigidos pela legislação para a sua instalação. ;O empreendimento se encontra amparado pelas licenças prévias e de instalação emitidas pelos órgãos ambientais responsáveis. Teve o seu Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente. Por fim, foi aprovado pela entidade máxima ambiental do estado, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente;, diz a nota.

O Aquiraz Riviera comentou a ação do Ministério Público Federal, destacando que, ;uma vez demonstrado que o empreendimento possuía todas as licenças requeridas, as obras de implantação foram liberadas, conforme decisão do Tribunal Regional Federal da 5; Região;. A respeito da questão hídrica, o empreendimento informa que requereu as outorgas para a utilização da água, inclusive para a captação de água bruta da Lagoa do Catu. Sobre o campo de golfe, diz que o projeto é do tipo link (união da terra e do mar) e privilegia a integração com a natureza, mantendo a vegetação nativa, o que reduz ao mínimo a movimentação de terras e aproveita a ondulação do terreno. Afirma ainda que a grama utilizada (Paspalum vaginatum) é uma espécie costeira nativa do Brasil, adaptada à baixa demanda hídrica.

Os responsáveis pelo empreendimento acrescentaram que mantêm uma área de proteção permanente de 58 hectares para resguardar a fauna e a flora locais. ;O que se vê no local, após o início das atividades da primeira etapa do campo de golfe, é exatamente um reforço do bioma local, com a valorização da vegetação nativa e a presença cada vez mais notada de pássaros, insetos e pequenos répteis.;

Sobre a prostituição na região, o Aquiraz Riviera diz acreditar que se trata de um problema social bem mais amplo, que transcende o setor de turismo, e sustenta que o empreendimento trabalha com o conceito de turismo familiar, de esporte e de negócios.


Memória
Artimanha denunciada
O próprio governo admite que falta contole nos cartórios



A estratégia de criar empresas brasileiras para registrar empreendimentos com capital de outros países e o descontrole por parte do governo federal no que diz respeito ao mapeamento dessas propriedades fazem parte das denúncias publicadas pelo Correio na primeira etapa da série de reportagens ;Terras estrangeiras;.

As reportagens, publicadas nos últimos dois meses, focaram grandes projetos agropecuários comandados por forasteiros, especialmente na Região Centro-Oeste e em Minas Gerais, além de grandes extensões de terra na Bahia, em São Paulo e no Rio Grande do Sul utilizadas pela indústria de celulose.

O governo federal admitiu que a maior parte dessas terras não está registrada como propriedades de estrangeiros, embora muitas das empresas tenham capital majoritariamente proveniente do exterior. Uma decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os cartórios passem a informar quando as aquisições forem feitas por companhias de outros países.