O Distrito Federal está entre os três centros urbanos do país ; ao lado de Rio e Salvador ; com a menor cobertura da Estratégia Saúde da Família (antigo Programa Saúde da Família), considerado um dos principais projetos do Ministério da Saúde. Em 2008, o DF tinha apenas 5,6% de cobertura da estratégia ; a pior do Brasil. Este ano, o atendimento saltou para 12,27%, mas ainda provoca injustiças: no Centro de Saúde n; 2, em Itapoã, os servidores se dividem entre o atendimento convencional e o da Saúde da Família, excluindo parte da população dos benefícios preventivos da estratégia. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), resultado de auditoria feita em 54 cidades de 18 estados e em pesquisa estatística realizada em 2 mil municípios, apontou diversos problemas no programa. O maior deles é a falta de planejamento, que influencia no eficiente atendimento da comunidade.
A faxineira Leidiane Rocha, 23 anos, é uma das moradoras do DF que sofre com a falta de atendimento. Mãe de João Henrique Silva, de 6 meses, Leidiane caminha durante 45 minutos, com o carrinho de bebê, para fazer exames de rotina no posto. ;De lá pra cá, é uma viagem. Seria muito bom ter o atendimento básico em casa;, disse a moradora do condomínio Del Lago (Itapoã). A falta de atendimento é o problema mais óbvio. No entanto, apenas a oferta de cobertura não garante qualidade nos serviços de saúde, ressalta o TCU. De acordo com o tribunal, existem cinco principais pontos problemáticos que devem ser revistos: planejamento; aplicação dos recursos financeiros; infraestrutura; processo de trabalho das equipes; e controle, avaliação e monitoramento.
Falhas
Segundo o secretário Ismar Cruz, da 4; Secretaria de Controle Externo do TCU, um dos problemas mais graves da estratégia é a inexistência de instrumentos de planejamento local, como o Plano Municipal de Saúde (PMS) e a Programação Anual de Saúde. ;Sem planejamento, não existe atendimento efetivo da saúde. As atividades programadas ficam deficitárias;, enfatizou. De acordo com o relatório, ;as falhas no planejamento dificultam a organização nos fluxos daqueles pacientes que necessitam de atendimentos fora da atenção primária;. Dos 56 municípios visitados, pelo menos 28 apresentaram problemas nesse aspecto. A equipe ainda entrevistou gestores e, dos 14 questionados, seis identificaram o planejamento inadequado como fator de dificuldade para consolidação do programa.
Orientação
Desde 2006, o Ministério da Saúde mantém o Sistema de Planejamento do Sistema Único de Saúde (PlanejaSus), que promove oficinas sobre o tema. Ainda assim, o Tribunal de Contas da União recomendou ao Ministério, por meio do relatório, desenvolver ações de capacitação voltadas para orientação prática na elaboração do Plano Municipal de Saúde, incluindo a confecção de um roteiro simplificado para subsidiar os gestores locais na elaboração do documento; e mecanismos eletrônicos de inserção de dados destinados a alimentação dos conteúdos básicos de cada Plano Municipal de Saúde. O plano é requisito legal para o recebimento de recursos federais ao programa.
De acordo com o Ministério da Saúde, a auditoria do TCU não representa a realidade, pois se restringiu a apenas 10% do total das cidades onde a Estratégia Saúde da Família está implementada, ;beneficiando 97,3 milhões de pessoas;. Por meio de nota, o ministério disse ainda que ;as possíveis fragilidades de gestão por parte dos municípios não impedem que os benefícios cheguem à população;.
Valorização seria maior
Apesar de não oferecer cobertura completa aos habitantes da região, o Centro de Saúde n; 2 avança para ser um contraexemplo do que foi observado pela auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Desde abril, cinco equipes do Saúde da Família visitam os moradores da cidade fazendo o cadastramento da população e, ao mesmo tempo, um levantamento da saúde no local. O próximo passo, segundo o gerente do centro, Suderlan Sabino, é a realização de um diagnóstico para embasar um documento que ele aborda como Planejamento Estratégico da Saúde. ;Vamos elaborar esse documento e fazer uma apresentação pública para a comunidade, até o fim de julho;, promete Sabino.
O gerente enfatiza que o planejamento será elaborado pelo que ele chama de ;colegiado gestor;: ;Eu não vou definir as prioridades para uma cidade sozinho. Todas as decisões serão tomadas por representantes das categorias que integram uma equipe de Saúde de Família. Também estamos localizando lideranças comunitárias para integrarem o colegiado;, diz. Segundo Sabino, a formulação desse documento será essencial para as ações das equipes, a partir de julho. ;Se identificarmos, a partir do diagnóstico, uma grande quantidade de adolescentes grávidas, sabemos que teremos que abordar a prevenção nas visitas regulares às casas;, exemplifica.
A paciente do Centro de Saúde N; 2 e moradora do Itapoã Ana Carla Bastos, 24 anos, fez todo o pré-natal com acompanhamento da equipe de Saúde da Família. No dia 1; deste mês, a equipe do Correio visitou Ana, que enfatizou os benefícios da estratégia. ;Essa equipe dá mais atenção para nós. Sinto que sou mais cuidada, cria até amizade;, relatou. Durante a gravidez, Ana foi diagnosticada com obesidade mórbida e, por isso, também teve o acompanhamento de uma nutricionista. No último dia 14, ela teve uma menina em uma cesariana bem-sucedida. A enfermeira de Ana, Cristiane Peres dos Santos, 28 anos, se satisfaz com o trabalho: ;Na Saúde da Família, tenho mais autonomia. Sinto que sou valorizada e estou capacitada a realmente ajudar a saúde do paciente;, conta.
Além de um colegiado gestor, o Centro de Saúde n; 2 conta com o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), parceria do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, que promove políticas de inclusão social por meio da prestação de serviços à população. Com o Pró-Saúde, o centro conta com a presença de estudantes de cursos da área de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), em uma parceria que envolve pesquisa e prática.
Interesse médico
O número de equipes em Saúde da Família saltou de 3.062 para 29.300 entre 1998 e 2008 ; um crescimento apontado pela própria auditoria do Tribunal de Contas da União(TCU), realizada entre abril e dezembro do ano passado. Assim, a cobertura das equipes, proporcionalmente à população, aumentou de 7% para 50% em 10 anos. Uma equipe de estratégia do programa ; composta de um médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde ; deve atender até 3.450 habitantes. Atualmente, há cerca de 30 mil equipes no país e o PAC da Saúde prevê o aumento desse número para 40 mil até 2011 ; ampliando a cobertura para 70% da população.
O diretor de Atenção Primária à Saúde e da Estratégia de Saúde de Família da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Berardo Nunan, afirma que Brasília tem 91 equipes cadastradas, atingindo a cobertura de 12,27%. ;Este ano, já ultrapassamos a cobertura do Rio e de Salvador, e queremos chegar a 18%.;
O diretor explica que, no momento, o aumento no número de equipes na capital depende apenas dos médicos. ;A Secretaria de Saúde fez um concurso de 80 vagas para médicos de Saúde da Família. Nós chamamos todos os 90 primeiros colocados, e apenas 21 assumiram. Vamos chamar os outros 84 aprovados, mas eu temo não preencher todas as vagas.;