Jornal Correio Braziliense

Brasil

Enfrentar trabalho duro no exterior exige coragem e resistência à saudade de casa

Londres ; Brasileiros fazem com mais frequência o caminho de volta do que outros imigrantes, acostumados a escolher Londres como lugar para viver e morrer. ;Eles ficam de dois a cinco anos no país, muitas vezes por causa do status de ilegalidade. Alguns se movem para Espanha, outros para Portugal. Mas é bastante considerável a parte que volta para o Brasil;, explica a pesquisadora mineira Ana Paula Figueiredo, integrante do Grupo de Estudos Brasileiros no Reino Unido, com sede na Universidade de Londres. Nas leituras de seu mestrado e preparação de doutorado sobre o tema, ela observa que, em geral, a experiência de vida na cidade é encarada como ponte para a ascensão social no Brasil, para o dia de voltar.

Cinco anos depois do revés que mudou completamente a trajetória que haviam planejado para a vida em Londres, Vivian Figueiredo e Patrícia Armani, primas de Jean Charles de Menezes, tentam voltar ao estágio em que estavam quando o mineiro foi assassinado pela polícia londrina. O primeiro passo, dado já há algum tempo, foi sair da casa onde moravam com Jean, em Tulse Hill, área residencial no Sul de Londres. ;Ainda converso com a dona do flat, uma angolana muito simpática, que sempre convida a gente para aparecer e tomar um café. Mas voltar lá é algo traumatizante. Não dá mais;, conta Patrícia.

Hoje, ela mora com o namorado em Croydon, bem distante do Centro, ao sul da Grande Londres. É um flat pequeno, com espaço apenas para um chuveiro, uma cama e uma cozinha. Ela vive da prestação de serviços, como passar roupas e fazer faxina em casas da região. Por isso, poucas vezes precisa pegar o metrô para ir ao Centro. Vivian também vive no Sul, onde trabalha como babá e zeladora de casas. Nos últimos dias, recebeu uma proposta para morar com uma família. Ficou tentada a aceitá-la. Seu projeto para o ano que vem é fazer um curso de graduação a distância, na área de turismo.

As duas não querem voltar agora para o Brasil. Mas, com o encerramento do processo envolvendo a morte do primo Jean, elas deixaram de contar com o visto especial de permanência na Inglaterra. Elas dependem da boa vontade do Home Office (departamento de imigração inglesa) para ficar em Londres pelos próximos anos. Vivian espera a resposta de um pedido de permanência especial. Patrícia está prestes a se naturalizar italiana. As duas temem viajar ao Brasil até para visitar parentes, porque não querem correr o risco de repatriação, como ocorreu como o primo Alex Pereira. Ele foi mandado de volta em abril, depois de tentar entrar na capital inglesa.

Cinco anos depois do assassinato de Jean, a saudade continua presente. ;A gente consegue olhar a dor no olho do outro, mesmo depois desse tempo. Houve uma época que eu pensava nele todos os dias. Agora, já foi. Estamos vivendo a nossa vida;, diz Patrícia. Nos dias seguintes ao assassinato do mineiro, centenas de velas e buquês de flores foram deixados ao lado da entrada principal da estação de Stockwell, onde ocorreu o assassinato. Criou-se, espontaneamente, um memorial em homenagem a Jean, que era visitado diariamente por gente do mundo todo.

No início deste ano, as primas de Jean Charles e uma artista plástica sul-africana montaram um mosaico com o rosto do mineiro, desenhado em meio a flores e pombas brancas, como forma de criar um memorial definitivo. A instalação foi autorizada pela empresa que gerencia o metrô de Londres. A palavra ;inocente; está escrita em letras garrafais sobre o nome do brasileiro e a frase: ;Baleado e morto aqui, 22 de julho de 2005;. ;Queríamos escrever ;baleado e morto pela polícia;, mas disseram que o metrô não ia autorizar;, conta Patrícia. Ela fica tranquila, porque o protesto não passou em branco. Outra placa homenageia Jean, na entrada de Gonzaga, pequeno município do Vale do Rio Doce, no interior de Minas Gerais. Nela está escrito: ;Terra de Jean Charles, vítima do terrorismo em Londres. Aqui, priorizamos a vida;.

No meu caso, chegou a hora de voltar. Não sei se por culpa do tempo longe de casa ou por sentimento pontual, causado pelo nacionalismo que ronda os jogos da Copa do Mundo, principalmente depois que ouvi o Hino Nacional em um pub. Mas essa saudade se tornou providencial. Era preciso voltar. Não foi fácil ligar para meus empregadores e avisar que estava com viagem marcada. Principalmente, depois de ter ganhado 340 libras (R$ 1.020) em menos de uma semana fazendo faxina e carregando móveis na capital inglesa. No fim das contas, não precisei usar a falsa identidade portuguesa, porque enrolei os patrões até o dia de ir embora. Com ela em mãos, poderia ter conseguido outros empregos e faturado mais.

Estável, mas numa solidão;
Denny, há cinco anos em Londres, sente falta das coisas simples


Até o fim do ano, o capixaba Denisar Paulo Greco, ou Denny, como é conhecido em Londres, termina de pagar o investimento de sua vida: um apartamento de dois quartos, a uma quadra do mar, em Praia Grande, no litoral paulista. O imóvel é resultado de meia década de trabalho na capital inglesa, na limpeza de parques, jardins e poda. O serviço lhe rendeu também dinheiro suficiente para comprar dois carros para as irmãs que moram no Brasil, viajar por boa parte da Europa e assistir a shows dos ídolos de sua adolescência, como U2, AC/DC e Bon Jovi. ;Em cinco anos, obtive financeiramente o que não teria em 30 no Brasil;, resume o jardineiro.

Mas, para ter tudo isso, Denny pagou um preço que, nos últimos tempos, vem achando alto demais. ;A solidão bate forte. Você passa a sentir falta das coisas mais simples, como estar com a família e com as pessoas que cresceram com você. Amigos com quem jogou bola. Coisas que a gente sempre teve, mas não percebeu como eram importantes;, desabafa ele, que pondera: ;Obviamente, viajar para fora e conhecer outro país é muito bom. Mas você ter um lugar onde possa chamar de lar, se sentir seguro, com pessoas ao seu redor, é mais importante;.

Denny dorme, há cinco anos, em um quarto no terceiro andar de uma casa em Manor House, no Norte de Londres, rodeado por quatro bandeiras: uma da Austrália, doada por um amigo; uma da Itália, país onde obteve cidadania europeia; do Brasil, a terra natal; e da Inglaterra, que o acolheu. A chegada à capital inglesa ocorreu seis dias depois do assassinato de Jean Charles, o que deixou sua mãe apavorada. ;Argumentei que o que tivesse que acontecer, aconteceria;, lembra ele. Ele aprendeu inglês na marra. Trabalhou como faxineiro, entregador de jornais e estabilizou-se como jardineiro quando compreendeu o jeito londrino de se viver. ;Funciona da seguinte forma: se estiver disposto, consegue trabalho rápido. Mas ninguém quer saber o que você é, de onde veio, o que faz. Você está sozinho na capital do mundo;, descreve.

O jeito é se reunir com pessoas que sentem a mesma falta, o mesmo tipo de saudade. Brasileiros, é claro. ;É a única maneira de se sentir um pouco mais acolhido, um pouco mais em casa.; Atualmente, três jovens e um casal do Rio Grande do Sul alugam quartos no mesmo imóvel. Se o domingo amanhece sem chuva, é comum haver churrasco no quintal. Mas, depois de algumas cervejas e com a aproximação do fim da festa, uma vaga mas doce tristeza chega sem avisar. Cada um vai para o seu quarto conversar com o pai, com a mãe, namorada(o) ou irmãos pelo computador.

Perto de completar 40 anos, Denny tem uma ideia fixa: voltar para o Brasil no ano que vem e abrir uma empresa especializada em manutenção e limpeza de estádios. ;Tive uma experiência muito boa aqui quando trabalhei no campo do Arsenal. É um conhecimento específico, que poderá ser demandado para a próxima Copa e Olimpíada no Brasil;, afirma. Tentar uma vida acadêmica e virar funcionário público são os planos B e C, respectivamente. ;Aprendi muito, fiz o que pude aqui. Tive bons resultados em tudo que procurei, acho que tá bom.; (TH)

ENTENDA A SÉRIE

O Estado de Minas/Correio Braziliense refez, em Londres, o caminho do mineiro Jean Charles, executado pela polícia inglesa há cinco anos, e desde a semana passada publica uma série com a experiência do repórter durante 40 dias na cidade europeia. Ele vivenciou os riscos de uma vida na ilegalidade, sentiu o drama na busca por emprego, colheu histórias de sucesso e relatos de decepção.

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