Jornal Correio Braziliense

Brasil

Diminui número de municípios que separam o lixo para reciclagem

A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê incentivos financeiros para tentar reverter o atual cenário

Num país que produz cada vez mais lixo, e na contramão do que se esperava em razão dos avanços ambientais, diminuiu a quantidade de cidades que dispõem de alguma iniciativa de coleta seletiva. Quase 10% dos municípios brasileiros simplesmente desistiram da prática de promover a separação do lixo seco ; potencialmente reciclável ; do orgânico. Entre 2007 e 2009, 496 cidades deram um passo para trás e abandonaram a coleta seletiva, como mostram os levantamentos anuais da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), intitulados ;Panorama dos resíduos sólidos no Brasil;.

O relatório de 2007 indicou que 3.593 municípios brasileiros (65%) adotavam naquele ano alguma prática relacionada à separação do lixo reciclável, da simples disponibilidade de pontos de entrega dos resíduos à instalação ou financiamento de usinas de reciclagem. Em 2009, conforme o panorama divulgado pela Abrelpe há pouco mais de um mês, a quantidade de cidades que incentivavam a coleta seletiva caiu para 3.152, ou 56,6% dos municípios brasileiros.

O recuo de projetos de coleta seletiva ocorreu num momento de geração recorde de lixo: em um ano, os brasileiros passaram a produzir 4 milhões de toneladas de resíduos a mais ao longo do ano, atingindo uma marca até então imbatível. Como uma produção individual de um quilo de lixo por dia, os resíduos gerados em 2009 superaram 57 milhões de toneladas, dos quais 6,7 milhões nem chegaram a ser coletados, segundo estimativas da Abrelpe. O destino desse lixo é ainda mais preocupante, principalmente em razão da desistência de grande parte dos municípios em continuar adotando iniciativas de coleta seletiva.

A realidade extraída dos levantamentos anuais da associação, os mais completos e atualizados sobre a produção de lixo no país, mostra a importância que passa a adquirir a Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada no Senado na quarta-feira passada, depois de 21 anos de tramitação no Congresso. A proposta, que segue para sanção do presidente Lula, representa um estímulo à coleta seletiva e à reciclagem, já que prevê incentivos financeiros, como mais acesso a recursos da União, para os municípios que adotarem a coleta seletiva.

Estímulo
Defendida pelo governo, aprovada pelo Legislativo e elogiada pelos mais diferentes setores, a Política de Resíduos Sólidos pode ampliar os índices de reciclagem dos resíduos. A nova lei deve evitar o desestímulo dos municípios com a coleta seletiva, como vem ocorrendo hoje.

;O prefeito cuida muito mais da limpeza urbana, da coleta do lixo. Não há pressão sobre a destinação final dos resíduos, nem qualquer cobrança pela reciclagem;, afirma o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Silvano Silvério da Costa. Por iniciativa exclusiva dos municípios, apenas 3% dos resíduos sólidos são reciclados no país. A reciclagem como um todo envolve de 11% a 12% do lixo produzido, em razão principalmente do trabalho de catadores de papel e de cooperativas de reciclagem.

Para saber se o município que é pesquisado desenvolve algum programa de coleta seletiva, a Abrelpe envia questionários para os gestores municipais. Em grande parte dos casos, o município diz que desenvolve um programa de coleta seletiva, mas, na verdade, apenas disponibiliza pontos de entrega ou firma convênios com cooperativas, sem abranger toda a cidade ou sem iniciativas de reciclagem. Um levantamento feito em 2008 mostra que somente 405 municípios brasileiros ; 7,2% das cidades ; desenvolvem de fato programas de coleta seletiva.

Tratada como artigo de luxo por muitas prefeituras, a coleta seletiva acaba sendo um dos primeiros programas cortados em razão das restrições de orçamento. Essa coleta diferenciada pode custar até quatro vezes mais do que o recolhimento tradicional do lixo. ;A crise internacional afetou os orçamentos municipais, e as prefeituras decidiram cortar custos. Existe um apelo social pela coleta seletiva, mas não há a obrigatoriedade;, ressalta o diretor-executivo da Abrelpe, Carlos Roberto Silva Filho.

Em algumas cidades, a coleta diferenciada dos resíduos recicláveis não chega a ser extinta, mas se restringe a apenas algumas regiões ; geralmente, os bairros mais nobres. São Paulo, por exemplo, sempre responde à pesquisa da Abrelpe que tem programa de coleta seletiva, mas apenas 3% da cidade é coberto com a coleta diferenciada.

Embalagens recolhidas

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que passa a vigorar assim que o presidente Lula sancionar o projeto aprovado no Senado, vai aproximar a legislação brasileira das normas em vigor em países da Europa. Pela primeira vez, a responsabilidade pelo lixo deixará de ser exclusiva dos prefeitos e será compartilhada com governos estaduais e federal. Além disso, uma cobrança antiga ; a chamada logística reversa ; passa a fazer parte da legislação ambiental, o que obriga fabricantes e distribuidores a recolherem as embalagens dos produtos vendidos.

O avanço da lei, rascunhada há exatos 21 anos, quando o primeiro projeto foi apresentado no Senado, pode esbarrar nas dificuldades práticas, em razão da grande quantidade de mudanças prevista. O que a Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê é bem diferente do que existe hoje em termos de gestão do lixo.

Custo
Em média, no Brasil, as prefeituras gastam R$ 9,27 por habitante, em um mês, para coletar os resíduos sólidos. O dinheiro é insuficiente para custear a construção de novos aterros sanitários ; os lixões a céu aberto estão proibidos pela nova lei ;, para melhores condições na disposição do lixo e para financiar indústrias de reciclagem.

;A nova lei não prevê como as mudanças serão custeadas, nem de onde sairá o dinheiro para a transição das normas;, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), Carlos Roberto Silva Filho. ;O dinheiro gasto cobre o que é feito hoje. Boa parte dos resíduos não é coletada e a destinação é inadequada.;

Mesmo assim, Carlos Roberto destaca a importância da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, principalmente ao estabelecer uma ordem de prioridade na gestão do lixo. Antes do depósito final nos aterros, serão necessárias ações de redução da geração de resíduos, reutilização, reciclagem e recuperação daquilo que tem validade econômica. ;Os municípios terão de adotar essa ordem.;

O secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Silvano Silvério da Costa, acredita que ;a lei vai pegar;, em função de acordos que já vêm sendo feitos com diversas cadeias produtivas para assegurar o recolhimento das embalagens. A logística reversa, para Silvano, é o principal avanço da Política Nacional de Resíduos Sólidos. ;Se o fabricante, o industrial ou o vendedor não fizerem o caminho de volta dos produtos colocados no mercado, serão enquadrados na lei de crimes ambientais.; (VS)

No DF, reciclagem é limitada
O lixo reciclável que Brasília recolhe em um mês equivale a 26% de todo o lixo ; reaproveitável ou não ; coletado num único dia no Distrito Federal (DF). O programa de coleta seletiva do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) chega a apenas uma parte da capital. No mês passado, os caminhões da coleta seletiva recolheram 1.098 toneladas de recicláveis na Asa Sul, Asa Norte, Lago Sul e Lago Norte, os únicos locais onde existe o serviço. Em todo o DF, num único dia, são recolhidas em média 4.192 toneladas de lixo. Boa parte dos resíduos reutilizáveis vai para aterros sem qualquer aproveitamento econômico.

A quantidade de lixo selecionado chegou a diminuir 10,5% nos últimos cinco meses. E os resíduos coletados pelo GDF ainda apresentam altos índices de mistura, mesmo com o serviço diferenciado de coleta.

No Parque Way, a coleta seletiva deixou de ser feita porque, segundo funcionários do SLU, a população não aderiu à separação do lixo. É a mesma realidade de parte dos condomínios do Cruzeiro, onde os sacos de lixo são colocados nas calçadas para a coleta, sem qualquer separação.

Os moradores do bloco F da 210 Norte, quadra atendida pelo programa de coleta seletiva do SLU, têm a opção de separar o lixo entre seco e orgânico há quase duas décadas.

A maioria dos moradores dos 120 apartamentos ; que produzem cerca de 250 quilos de resíduos por dia ; aderiu à separação do lixo. ;No começo, coloquei avisos sobre a separação em todas as portas. Alguns ainda misturam o lixo, mas não são a maioria;, diz síndico do bloco, Ubiraci Zanani Mendes, de 73 anos.

Os resíduos são recolhidos duas vezes por dia e levados para as lixeiras centrais do bloco, também separadas entre orgânicos e secos. ;A gente separa o lixo desde a implantação do serviço. É muito simples, não tem mistério;, afirma o zelador do bloco, Sebastião das Chagas Santiago, 54 anos, que mora no local. (VS)