Jornal Correio Braziliense

Brasil

Mesmo com acesso ainda restrito, município pernambucano aos poucos volta à rotina

Dos moradores atingidos, nenhum está em abrigo

Ruas inteiras se transformaram num grande varal. Serão necessárias muitas manhãs de sol para secar o que ficou submerso na maior inundação da história de Barra de Guabiraba, no agreste pernambucano, a 142km do Recife. O município é um dos 12 que decretaram situação de calamidade. Difícil esquecer. Na verdade, ninguém quer que caia no esquecimento. Mas, além da perda dos pertences, da derrubada de duas pontes e de 65 casas arrastadas da área ribeirinha do Rio Sirinhaém, a cidade já está praticamente no seu ritmo e não parece ter sido inundada pelas águas. Na Praça Central, onde fica a Igreja de São João Batista, nada lembra que o templo chegou a ter um metro e meio de água. Pelo menos 80% do centro de Barra foram atingidos pela cheia.

O comércio já funciona normalmente, mas os moradores que ficaram sem os pertences ainda tentam reencontrar o caminho da rotina. Na Rua Ernesto Teixeira, no centro da cidade, eles aproveitaram o dia de sol para tentar salvar o que havia ficado debaixo d;água. A aposentada Maria Severina da Silva, 84 anos, colocou para secar o que sobrou de um dos três aparelhos de TV que tinha. ;A gente está secando tudo para depois levar para o conserto. Não tenho como comprar outra televisão;, lamenta. O sótão da casa da aposentada Cícera Maria das Dores, 84 anos, usado em cheias anteriores para guardar os objetos de valor, dessa vez não teve serventia. A água subiu até o telhado e estragou televisão, computador e aparelho de som, além de colchões e roupas. Cícera ficou até os últimos momentos para guardar o que pôde. Saiu da casa com a água no pescoço. ;Eu e mais cinco pessoas fomos amarradas numa corda para conseguir sair. Salvamos a vida;, comemora.

;Estamos fazendo todo o levantamento dos danos para dar início às obras. O município só sairá da condição de calamidade quando os acessos das pontes forem restabelecidos e as casas, reconstruídas;, explica o major Moisés Tenório, da Coordenadoria da Defesa Civil. De acordo com o relatório de danos do município, 65 casas foram destruídas completamente e outras 527 sofreram algum tipo de dano. Apesar dos estragos, nenhuma das 2.709 pessoas desalojadas no dia da enchente estão em abrigos. Todas retornaram para as próprias casas ou para a residência de parentes ou amigos.

Mil isolados
Pelo menos mil pessoas permancem isoladas nas comunidades de Caranguejo e Gata, zona rural de Barra de Guabiraba. Duas pontes foram arruinadas. A travessia pelo Rio Sirinhaém está sendo feita, de forma improvisada, por uma balsa. A reconstrução das duas pontes está dentro do cronograma elaborado pelo governo do estado. Uma empresa ficará responsável pela reconstituição ou recuperação das 142 pontes das cidades atingidas pelas inundações. Também ficaram comprometidos 4.478 quilômetros de estradas. A estimativa inicial do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) era de um custo entre R$ 25 milhões e 30 milhões somente para as medidas emergenciais. Apesar dos estragos, o major Tenório diz que Barra de Guabiraba sofreu menos impacto. ;Barra fica no início da corrente do rio, que foi ganhando força ao longo do percurso e causou mais estragos nos municípios que ficaram na ponta, como Barreiros e Palmares;, explica.


PREVISÃO DE MAIS PRECIPITAÇÕES
Em boletim divulgado ontem, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) previu condições meteorológicas favoráveis à ocorrência de acumulado de chuva significativo em regiões isoladas de Pernambuco até a meia-noite de hoje. Portanto, a orientação é que as famílias que morem em áreas de risco fiquem atentas para, em caso de chuva intensa, deixar os imóveis. De acordo com a Prefeitura do Recife, desde o dia 17, quando foram registrados os maiores índices de chuva na região metropolitana da capital pernambucana, a defesa civil já contabilizou 610 atendimentos nas regionais. Atualmente, 225 famílias estão desalojadas, em casa de parentes, e 42 em abrigos.

O número
2.709
Pessoas desalojadas no
dia da enchente em Barra de Guabiraba


MPPE reage contra abusos

Ana Paula Neiva
Ana Dolores

Enquanto a tragédia das chuvas em Pernambuco comove cidadãos de bem, que se mobilizam numa corrente de solidariedade para ajudar as vítimas das enchentes, o mesmo motivo tem sido usado por aproveitadores para praticar ações de má-fé. Preços abusivos em produtos e serviços foram observados nas cidades de Palmares e Barreiros, justamente as duas mais prejudicadas entre as 12 em estado de calamidade pública. Na Região Metropolitana do Recife, em Jaboatão dos Guararapes, alimentos que teriam sido retirados de dentro da lama nessas cidades estavam sendo comercializados por negociantes no entorno do Mercado Público de Cavaleiro.

Desde o início da semana, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recomendou aos promotores de Justiça das 39 cidades atingidas pelas chuvas que adotassem as medidas necessárias para o enfrentamento aos crimes contra a economia popular. A decisão foi tomada após denúncias de que comerciantes dos municípios atingidos estariam se aproveitando da situação para cobrar mais caro pelas mercadorias, como água mineral, gás de cozinha e alimentos. O promotor Darwim da Silva, que responde pelas comarcas de Palmares e Água Preta, notificou ontem a Associação de Mototaxistas de Palmares. Os mototaxistas estariam cobrando mais do que o dobro para transportar passageiros.


De todos os lados

Marta Telles

Igrejas, mercadinhos de bairros, repartições públicas, padarias, líderes comunitários, pequenas empresas, multinacionais. Entidades de todos os segmentos e pessoas de todas as idades estão se mobilizando para arrecadar donativos e levar algum alento aos que perderam tudo nos municípios castigados pelas enchentes. Nos pontos de doação, a ajuda chega a todo instante. Mas é preciso continuar doando. A Coordenadoria da Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe) aponta os itens de maior necessidade. Água, alimentos do consumo imediato e colchão são prioridade.

Segundo informações da Codecipe, o governo do estado vai distribuir colchões a partir do próximo sábado. Ao todo, serão 41 mil. A assessoria de comunicação do governo estadual pernambucano informou que, até o fim da tarde de ontem, mais de 800 toneladas de donativos chegaram ao Quartel do Derby ; principal ponto de arrecadação do estado. A cada doação feita, seja de água, remédios, roupas, materiais de limpeza ou de higiene, os voluntários que trabalham no local batem palmas. São aplausos à solidariedade. Palavra, por sinal, das mais escutadas por lá.

A operadora de telemarketing Josiane Vieira foi cooptada ao trabalho voluntário no dia de São João, quando passou pelo quartel para deixar sua contribuição às vítimas das cheias. Acabou contribuindo muito mais. Não com produtos. Mas com o trabalho. São sete, oito horas por dia ajudando a reunir e separar as doações que chegam, antes de enviá-las ao centro de triagem. Ela não fala em cansaço. Apenas em sentimento de missão cumprida.

Mas entre as boas ações, descuidos acabam atrapalhando o processo de triagem e dando ainda mais trabalho aos voluntários. Não raro, são encontrados talheres enferrujados entre os donativos, além de alimentos com prazo de validade vencido. ;É impressionante;, resmungou uma voluntária quando catou uma caixa de leite de soja que já não servia mais para o consumo. Venceu em maio. Antes mesmo das chuvas castigarem o estado.