Porto Alegre - O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado brasileiro a ter uma lei de reforma psiquiátrica. Em 1992, nove anos antes da aprovação da lei nacional, o estado determinava, por meio da Lei n; 9.715, a proteção aos portadores de transtorno psíquico e a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção integral em saúde mental. Dezoito anos depois, o Rio Grande do Sul ainda guarda resquícios do antigo modelo.
Em Porto Alegre, o Hospital Psiquiátrico São Pedro, criado em 1884, é a lembrança ainda viva dos tempos de encarceramento da loucura. O prédio de arquitetura neoclássica, com 12.324 metros quadrados e seis pavilhões, chegou a abrigar 5 mil pessoas.
Hoje são cerca de 500 pacientes; 293 ainda vivem no modelo asilar. A maior parte é de mulheres que estão há mais de dez anos na instituição. O restante, cerca de 200, recebe tratamento de urgência e emergência e fica hospitalizado por períodos curtos. Destes, 70% buscam atendimento por uso de drogas, principalmente crack.
Segundo o diretor do hospital, o psiquiatra Luiz Carlos Coronel, 80% dos moradores precisam de ajuda para comer e fazer a higiene pessoal. Além do distúrbio mental grave, 90% têm doença clínica e 20% são cegos. ;A maioria deles tem mais de 60 anos, metade é esquizofrênica e a outra metade tem retardo mental, mas são bem cuidados;, afirma.
Luiz Carlos Coronel discorda da necessidade de fechamento dos hospitais psiquiátricos. ;Não é possível uma sociedade sem hospitais psiquiátricos como não é possível sem prisões. O sonho acabou. Eu também faço parte da geração que era contra as prisões e os manicômios na década de 70, mas não dá para abrir mão dos hospitais.;
A irmã Paulina, que dedicou boa parte de seus 80 anos ao atendimento a doentes no Hospital São Pedro, diz que o trabalho da instituição foi importante e relembra com entusiamo o surgimento de métodos de tratamento hoje em desuso no país.
;O eletrochoque foi a salvação do São Pedro. Quantos doentes catatônicos e esquizofrênicos que morriam, que não queriam comer nada. Depois com dois ou três eletrochoques eles melhoravam. Era o começo do viver;, destaca a irmã, que é técnica em enfermagem, mas hoje apenas presta orientação religiosa aos pacientes. Atualmente, o Serviço Único de Saúde (SUS) não repassa recursos para o tratamento com eletrochoques.
De acordo com a psicóloga e professora de residência integrada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra Fagundes, o Hospital São Pedro ainda mantém muitas características do modelo anterior à reforma antimanicomial, com regras disciplinares extremamente rígidas e descuido com os internos. ;Os pacientes ainda adoecem por descuido, contaminação por doenças de outros pacientes e desnutrição;, diz.
Segundo a representante do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul Fátima Fischer, é forte a resistência dos psiquiatras do hospital às mudanças determinadas pela reforma. ;O que está em questão é o poder da ciência psiquiátrica, que agora está fragilizado, já que a reforma trabalha com uma equipe multidisciplinar.;
A direção do hospital autorizou a reportagem da Agência Brasil a conversar com alguns pacientes indicados que vivem na Unidade Morel, considerada exemplar pelos gestores da instituição por estimular a autonomia dos internos com atividades artísticas e na área de culinária. No local, há pessoas internadas há mais de 15 anos. Cerca de 30% são oriundos da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).
Um dos pacientes é Carlos Langoni, 56 anos. Ele afirma que quer ir embora para Esteio onde vivia antes de ser levado para o Hospital São Pedro. ;Aqui é bom e é ruim, por isso quero ir embora para Esteio [cidade da região metropolitana de Porto Alegre]. Eu não tenho mais família lá, mas quero ir embora.;