A repressão às drogas na fronteira norte e centro-oeste do Brasil está mudando a geografia do tráfico de cocaína no continente. Enquanto Argentina e Uruguai se tornam candidatos a próximos alvos do crime organizado como escalas para envio de pó para Europa e África, Santa Catarina e Rio Grande do Sul começam a se tornar pontos de referência para traficantes. Por outro lado, o Paraná deixou de ser apenas caminho para a passagem da cocaína e virou uma das principais portas de entrada da maconha que vem do Paraguai. Só este ano, as polícias Federal e Rodoviária apreenderam, juntas, 50 toneladas da droga no país. Em um dia da semana passada, foram 6 toneladas no Paraná.
Na avaliação da PF, a mudança é consequência do cerco feito pela Operação Sentinela, que atua em toda a fronteira brasileira. A nova rota no Cone Sul também preocupa os órgãos internacionais. Na Argentina, o crescimento nas apreensões de cocaína foi de 51% em 2009 em relação ao ano anterior, segundo relatório divulgado pelas Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Para Bo Mathiasen, representante da entidade na região, o impacto nos países próximos é claro. ;A Argentina está sentindo os problemas decorrentes do aumento do tráfico;, constata.
Na semana passada, em três operações distintas, esquemas diferentes de envio de cocaína para a Europa foram desbaratados. No Porto de Santos, a PF apreendeu 1,7 tonelada camuflada em uma carga de maçãs vinda da Argentina que ia para a Espanha. No Rio Grande do Sul, 60kg da droga, também procedente do país vizinho, foram encontrados com seis pessoas que iriam para o leste europeu. Entre os detidos estavam três estrangeiros que alugaram imóveis na cidade de Rio Grande para facilitar a negociação. A outra situação ocorreu em Curitiba (PR), onde o tráfico seria feito para a Ilha de Malta, no Mediterrâneo.
A Venezuela também se tornou motivo de preocupação. Além de 51% das drogas movimentadas por via marítima da América do Sul para a Europa serem carregadas lá, há grupos insurgentes, como a Frente Bolivariana de Libertação, semelhante às Farc. Tais movimentos manteriam células armadas, inclusive ao longo das fronteiras com a Colômbia, o Equador e o Brasil.
Inflação
A repressão também agitou o mercado brasileiro, especialmente o de maconha. Um dos resultados das apreensões da erva vinda do Paraguai ; que abastece 80% do território nacional ; foi uma escalada no preço. O quilo da droga, antes vendido entre R$ 200 e R$ 250, custa hoje até R$ 2 mil. Desde que o Brasil firmou acordos bilaterais, em 2009, os efeitos apareceram. No ano passado, pelas contas da PF, mil hectares de maconha plantada foram erradicados, ou quase 3 mil toneladas.
;Temos resultados positivos na parceria com o Paraguai. Verificamos, por exemplo, que as lavouras migraram de áreas nobres para locais distantes, com acesso difícil para distribuição;, diz o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. No mesmo espírito, a ONU pretende ajudar o Paraguai no combate ao crime organizado, à corrupção e às drogas.
PRODUÇÃO DO PÓ
A cocaína que chega à Argentina e a outros países do Cone Sul é procedente, em grande parte, da Colômbia e do Peru. Segundo os relatórios da ONU, na Colômbia houve queda na produção, que seria liderada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). No território peruano, verificou-se um avanço nos plantios na área amazônica. Diferentemente do pó procedente da Bolívia ; que exporta a pasta base ;, a droga colombiana e peruana é praticamente pura.