Jornal Correio Braziliense

Brasil

Em meio à miséria, a inflação explode

Nas cidades atingidas pelas enchentes, vítimas são obrigadas a driblar quem tenta tirar proveito da situação. Um galão de 20 litros de água chega a R$ 20, o quilo de carne passa dos R$ 40 e um litro de leite é encontrado por R$ 17. MP e polícia prometem investigar abuso

Igor Silveira e
Ed Wanderley

Onde há o desespero, alguns enxergam oportunidade. No caso de Alagoas e Pernambuco, estados nordestinos atingidos por fortes chuvas no último fim de semana, essa situação chega ao extremo. As vítimas das enchentes, que já não tinham muito o que comer ou beber, agora, estão em meio a um cruel leilão de alimentos e água potável, além de medicamentos e roupas. De repente, o custo de vida de uma das regiões mais pobres do Brasil atingiu níveis impraticáveis até para as pessoas com condições financeiras confortáveis nos grandes centros urbanos.

Uma funcionária de um pequeno mercado de Atalaia, município a 48 quilômetros da capital Maceió, contou à reportagem do Correio que a angústia de moradores pelos estragos causados pelas tempestades elevou os preços em localidades próximas, como Branquinha, Quebrangulo e Rio Largo. A mulher, que pediu para não ser identificada, disse, por exemplo, que um galão de 20 litros com água mineral, que custava cerca de R$ 4 antes da tragédia, atualmente sai por R$ 16.

;Virou leilão. Algo injusto, de fato. As pessoas encontram pouquíssimas unidades dos produtos nas prateleiras e querem carregar para casa de qualquer maneira. Na hora, quem tem mais dinheiro leva;, explicou a moradora de Atalaia. ;Não sei quanto custava o botijão de gás antes de tudo isso acontecer, mas está sendo comercializado por cerca de R$ 70;, completou a alagoana.

A Polícia Civil e o Ministério Público do estado informaram que vão apurar as denúncias de preços inflacionados nas cidades.

Pernambuco
A funcionária pública Ceça Ataídes está no município pernambucano de Barreiros, a 90 quilômetros do Recife. Mais do que o cenário de destruição, ela se espantou com os preços dos alimentos praticados naquela região. ;As pessoas estão vendendo um quilo de carne de sol por R$ 45 e o litro do leite chega a R$ 17. Água mesmo, só na Estação de Tratamento da cidade e as pessoas têm de chegar lá a pé;, ressaltou.

Em uma das maiores lojas de materiais de construção da capital pernambucana, as vendas de botas em PVC estilo sete léguas dobraram em relação à média do período de inverno normalmente praticada. A diferença é que as compras foram, em geral, realizadas por poucos consumidores, que levavam dezenas de pares do produto.

;As pessoas compravam de cinco a dez pares para cada tamanho de pé, do 38 ao 44. Não vendemos mais porque não tínhamos, mas houve procura;, lembra o vendedor Ironildo Zacarias. O produto, vendido em Recife a uma média de R$ 28, pode ser encontrado por R$ 60 nas ruas de cidades como Palmares e Barreiros.

Relatos de pessoas que têm parentes em Palmares, na Zona da Mata, indicam que o valor médio praticado pelos vendedores é de R$ 20 por um galão de 20 litros de água mineral, podendo chegar até a R$ 35 nos locais mais críticos, onde, em geral, o abastecimento de água encanada está suspenso. A prática dos comerciantes da região contrasta com a decisão do Sindicato das Indústrias de Cervejas e Bebidas em Geral do estado, que anunciou a doação de meio milhão de litros de água. Todas as doações devem ser entregues dentro de dez dias. Outro lote, com roupas, enfim começa a chegar aos ginásios e escolas que servem de abrigo nas cidades atingidas pelas águas.



"As pessoas compravam de cinco a dez pares para cada tamanho de pé. Não vendemos mais porque não tínhamos"
Ironildo Zacarias, vendedor, sobre as botas de PVC, que já estão custando R$ 60 o par




O número
R$ 70
O preço do botijão de gás nas cidades atingidas pelas chuvas também não resistiu à inflação repentina




Segurança reforçada
A pouca oferta de alimentos e de água potável, somada aos preços exorbitantes, deixou os governos de Alagoas e Pernambuco em estado de alerta para possíveis saques em estabelecimentos comerciais das regiões que sofreram com as fortes chuvas. Para evitar esse problema, os dois estados receberam o apoio da Força Nacional de Segurança Pública, grupo ligado ao governo federal. Na manhã de ontem, 40 homens que estavam aquartelados desde o início da semana foram enviados para a capital alagoana, de onde seriam divididos em grupos que farão a segurança dos municípios mais atingidos.

O governador de Alagoas, Teotonio Vilela Filho (PSDB), também solicitou o envio de um helicóptero para o estado. O aparelho será usado para resgatar vítimas da tragédia, além de ajudar na distribuição de cestas básicas.

Mais 37 bombeiros especializados em mergulhos em água turva aterrissaram, no fim da manhã de ontem, em Maceió. O efetivo foi enviado para procurar vítimas nos rios que transbordaram e, de acordo com o Ministério da Justiça, os oficiais também ficarão atentos caso haja novas tempestades nas cidades.

Ainda segundo o Ministério da Justiça, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), não fez qualquer pedido formal de homens da Força Nacional de Segurança Pública para o estado. A única reivindicação para o ministério, até o momento, foi um reforço aéreo. Por isso, o governo federal mandou mais um helicóptero para sobrevoar as regiões pernambucanas devastadas pelo mau tempo do último fim de semana.

A decisão de enviar os homens foi tomada no Gabinete de Crise, criado especialmente para ajudar os estados nordestinos. O núcleo é coordenado pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e do Gabinete de Segurança Institucional, Jorge Armando Félix, além da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra. (IS)


Estado de violência
; Pernambuco já sofreu em outra ocasião com fortes chuvas e saques ao comércio. Em julho de 1975, uma enchente deixou quase 80% da capital debaixo d;água. Na ocasião, 107 pessoas morreram e cerca de 350 mil ficaram desabrigadas. Com grande parte da cidade sem energia, a polícia teve trabalho para combater saques como o que ocorreu no depósito de alimentos do Hospital Pedro II.

; Em 2008, o governo de Santa Catarina precisou reforçar o policiamento nas ruas depois das chuvas em novembro daquele ano. Aproveitando o caos instalado no estado, moradores roubaram comida e água potável de lojas nas cidades mais castigadas.

; Não é só no Brasil que as regiões atingidas por desastres naturais sofrem com saques. Em janeiro deste ano, no Haiti, soldados estrangeiros tiveram trabalho para manter a ordem na distribuição de alimentos da ajuda humanitária. O país passou por um terremoto que deixou milhares de mortos e destruiu completamente a capital, Porto Príncipe. A situação foi agravada com a fuga de presos, que sobreviveram ao desmoronamento das cadeias locais. Os bandidos se misturaram à população e a polícia haitiana chegou a atirar contra saqueadores para tentar evitar os roubos.

; Dois meses após da tragédia no Haiti, o Chile também foi castigado por um forte terremoto. Em Concepción, segundo maior cidade do país, a polícia chilena foi enérgica contra os saqueadores. Em 1; de março, uma pessoa morreu e 160 foram presas depois de confrontos com as autoridades locais.