Xingamento, cassetete, porrada e tiro são parte corriqueira dos relatos de quem vive dentro do sistema carcerário brasileiro. Um termo novo, porém, vem se tornando cada vez mais comum nas denúncias de presos de várias partes do país: capuz, touca ninja, máscara. Palavras deles que se referem, na verdade, à balaclava (1), um acessório utilizado por equipes de agentes penitenciários treinados pelos estados para fazer revistas especiais dentro das prisões ou conter inícios de tumulto. Trajados de preto, com o rosto totalmente coberto, os homens se apresentam sob siglas de impacto, como GIR (Grupo de Intervenção Rápida), Getap (Grupo de Escolta Tática Prisional) ou Grupamento de Intervenção Tática (GIT), entre outras denominações, em atuações altamente questionáveis.
Enquanto a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro admite, em nota divulgada pela assessoria de imprensa, que os 60 homens do GIT ;utilizam as balaclavas em suas ações por questão de segurança operacional;, no Espírito Santo a tal divisão nem existe oficialmente, embora a sigla Getap esteja grafada nos uniformes dos agentes. O secretário de Justiça capixaba, Ângelo Roncalli, que tem sob sua responsabilidade a área penitenciária estadual, esclarece que a pasta treinou, de fato, uma força armada para atuar nos presídios, mas nega que os homens ajam com capuz. ;Teve um período que eles usavam a touca mesmo, mas abolimos isso há algum tempo;, diz o secretário.
Não é o que afirma o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Espírito Santo, Paulo César Buzzeti dos Santos. ;Muitas vezes o grupo utiliza a balaclava por conta das ameaças, mas discordamos de muitos pontos dessa atuação;, afirma. De acordo com ele, realmente a sigla Getap não existe no papel, mas a atuação do destacamento é real no dia a dia. ;A maioria dos agentes fica no Presídio de Segurança Máxima II e, quando há alguma necessidade nas unidades, a Secretaria de Justiça os aciona;, explica Buzzeti. O sindicalista esclarece, ainda, que o nome do grupo no uniforme é providenciado pelos próprios profissionais. Há 10 dias, o governo capixaba sancionou uma lei criando uma gratificação para compra de uniforme ; o que, na avaliação do secretário Roncalli, acabará com a prática amadora da autoidentificação nas fardas com siglas que nem existem formalmente.
Além do Espírito Santo e Rio de Janeiro, a prática de grupos especializados trajando capuz ocorre em São Paulo e Rondônia, de acordo com relatórios da ONG Justiça Global (2), responsável por levar vários casos de violação de direitos humanos no Brasil à esfera internacional. Advogado da entidade, Fernando Delgado rechaça o acessório. ;Concordamos com a necessidade de garantir a segurança dos agentes que trabalham nas penitenciárias, mas isso não pode se dar com touca. Capuz não é compatível com democracia. Ter agente público com rosto coberto só faz aumentar as chances de abusos sem responsabilização;, reclama. A falta de um número ou mesmo codinome que pudesse identificar cada profissional durante as ações desperta ainda mais a desconfiança de Delgado.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Administração Penitenciária paulista, que tem sob sua tutela 33% da população carcerária do país, estimada em 475 mil pessoas, restringiu-se a dizer que a atuação do GIR tem caráter sigiloso e, portanto, ninguém responderia aos questionamentos feitos. No caso de Rondônia, a Secretaria de Justiça, responsável pela área prisional, simplesmente não respondeu, apesar dos insistentes contatos da reportagem por meio da assessoria de imprensa a respeito do grupo que lá também se denomina GIR.
Bacu geral
Em relatório que inclui fotos produzido pela entidade Justiça Global há 10 meses no Presídio Urso Branco, em Porto Velho (RO), atualmente alvo de medida cautelar por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 27 relatos de abuso físico não registrados pela diretoria, um terço envolvia o GIR durante as revistas gerais chamadas pelos presos de ;bacu geral;. ;Foi um trabalho criterioso em que entrevistamos individualmente 102 presos e alguns agentes penitenciários. Cruzamos as descrições dos fatos com relatos de detentos de outras celas para verificar a veracidade;, explica Delgado.
De acordo com ele, as principais queixas dizem respeito a agressão física durante a revista, quebra de pertences e destruição de cartas. ;Todo profissional que conhece a realidade da cadeia sabe que destruir os objetos pessoais de presos e rasgar correspondências são o primeiro passo para provocar uma rebelião;, afirma. As denúncias de abusos praticados pelos homens encapuzados do Espírito Santo também chegam ao Conselho Estadual de Direitos Humanos. Presidente da entidade, Bruno Alves de Souza Toledo conta que a descrição não muda muito. ;São homens vestidos de preto, com toucas ninja e armados. Agora ficou mais difícil de registrar porque a entrada com máquina fotográfica está proibida. Mas temos um CD com fotos da atuação do Getap num presídio;, diz Toledo.
O secretário de Justiça capixaba, Ângelo Roncalli, justifica a existência da equipe para situações especiais de seu estado ressaltando que os agentes foram bem treinados pelo Grupo Penitenciário de Operações Especiais da Polícia Civil do DF (Gpoe). ;Eles são profissionais de vigilância e escolta que fazem essas revistas mais profundas, para verificar túneis ou celular nos presídios. Entendemos que o agente do dia a dia não deve executar esse serviço, até porque não temos profissionais em número suficiente;, explica o secretário.
1 - Contra o frio
Balaclava é uma espécie de gorro feito de malha e ajustes elásticos para proteger a cabeça, estendendo-se até o pescoço, com uma abertura apenas nos olhos. Associada a ações terroristas e sequestros, também é usado por policiais em operações especiais. O nome teria origem na localidade de Balaclava, na Crimeia (Ucrânia). Durante a Guerra da Crimeia, balaclavas teriam sido tricotadas pela população e enviadas aos guerreiros para se protegerem do frio.
2 - Em busca de justiça
A ONG Justiça Global foi uma das entidades responsáveis por casos emblemáticos que chegaram à Comissão e à Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Um deles diz respeito à situação precária do Presídio de Urso Branco, em Porto Velho. Outro caso levado à Organização das Nações Unidas (ONU) ficou conhecido como masmorras capixabas, sobre esquartejamentos e abrigo de presos em contêineres.