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Policial investigado pelo assassinato de três pessoas é elogiado por superior

Goiânia ; O processo em que o sargento da Polícia Militar de Goiás Geson Marques Ferreira, de 38 anos, é apontado como réu por tentativa de homicídio traz detalhes importantes sobre o posicionamento da PM goiana em relação a policiais investigados por participação em grupos de extermínio. Geson foi preso em março deste ano sob suspeita de triplo homicídio em Torixoréu (MT) e de dois assassinatos em Goiânia. A prisão tinha sido decretada pela Justiça de Mato Grosso, mas Geson já era investigado pela Justiça goiana por causa da tentativa de homicídio contra um atendente de uma loja de conveniência de um posto de gasolina em Goiânia. Nas duas vezes em que a PM se manifestou no processo, antes mesmo da operação que desbaratou o grupo de extermínio que atuava em Mato Grosso e Goiás, a instituição se mostrou favorável ao sargento.

Geson estava lotado na Assistência Policial Militar da Assembleia Legislativa de Goiás e, para atirar no atendente da loja de conveniência, usou uma pistola pertencente à unidade da PM que faz a segurança do Legislativo goiano. A arma tinha a sigla da corporação na lateral esquerda. O crime ocorreu em setembro do ano passado. Em novembro, a Polícia Civil devolveu a arma ao tenente-coronel Wellington Urzeda Mota, comandante da unidade policial na Assembleia Legislativa.

Quatro dias depois do crime, o tenente-coronel apresentou uma declaração com o seguinte teor, no pedido de liberdade provisória do sargento Geson: ;Declaro para os devidos fins que o terceiro sargento Geson Marques Ferreira pertence ao efetivo desta Assistência Policial Militar da Assembleia Legislativa, estando classificado no excepcional comportamento, não havendo nada que desabone sua conduta profissional e social.; A palavra ;excepcional; foi redigida em negrito e com letras maiúsculas. Geson foi solto pela Justiça, após manifestação favorável do Ministério Público.

Cinco meses antes de tentar assassinar o atendente da loja de conveniência em Goiânia, o sargento Geson executou três pessoas em Mato Grosso com mais de 50 tiros, entre elas o ex-soldado da PM goiana Jander Figueira da Mota, conforme as investigações que culminaram na sua prisão em março deste ano. Geson também era investigado por suposta participação em grupos de extermínio, inclusive com assassinatos em Goiânia.

Depois da prisão temporária decretada em Mato Grosso, a Justiça em Goiás voltou atrás e decretou a prisão preventiva do sargento da PM, no processo que apura a tentativa de homicídio. ;A situação se alterou em decorrência da descoberta de vários outros homicídios e participação em grupo de extermínio;, argumentou o MP, para pedir a prisão preventiva. Geson continua preso.

Formosa

Há dois meses, oito PMs acusados de integrar um grupo de extermínio em Formosa e região foram afastados da corporação, por recomendação do MP de Goiás. Entre eles estava o comandante do 16; Batalhão da PM na cidade, major Ricardo Rocha Batista. O oficial e sete subordinados foram reconhecidos por testemunhas ; a partir da apresentação de 17 imagens de policiais misturadas ; como sendo os responsáveis pela morte do operador de máquinas Higino Carlos Pereira de Jesus, 24 anos, executado com 28 tiros em Alvorada do Norte, em 24 de fevereiro deste ano. Dois dias depois, três amigos de Higino sumiram, também levados por policiais militares. Ricardo Rocha é o PM que mais responde a processos por homicídios em Goiás, como o Correio já mostrou em série de reportagens no último ano. O último é o inquérito referente à morte de Higino, que tramita na Auditoria Militar e deve ser remetido à Justiça comum.

Segundo as informações levantadas no processo, Higino foi levado de dentro de casa por ;diversos indivíduos armados de pistolas, que se identificaram como policiais;. O corpo foi encontrado no mesmo dia, por volta das 17h. Os outros jovens sumiram dois dias depois, enquanto tomavam banho num rio. As pessoas que os levaram também se identificaram como policiais.

Dentro da própria polícia circulou a denúncia de que policiais do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) de Formosa estiveram em Alvorada do Norte. Dois carros do GPT foram vistos nas proximidades de fazendas da região. A execução de Higino, acusado de pequenos furtos nas propriedades rurais, teria sido encomendada por fazendeiros.

Sete policiais são investigados pelo assassinato de Higino e sete pelo desaparecimento dos outros jovens. O major Ricardo Rocha foi identificado por testemunhas nos dois casos. Na terça-feira da semana passada, o MP de Goiás pediu que o caso seja remetido à Justiça comum, o que não tinha ocorrido até sexta-feira.

Vítimas da farda

Seis tiros de cima para baixo

;O Rodrigo tinha emprego, era o responsável por um caminhão que recolhe entulho. Naquele dia, ele estava na casa da namorada, no Jardim Novo Mundo, num churrasco com os amigos. Passou uma pessoa e o chamou para sair, por volta das 23h, e ele não foi. Eu ainda o vi na penumbra, pouco depois, quando passei em frente à casa. Foi a última vez que vi meu filho. Depois a mesma pessoa voltou e o chamou de novo para sair. Ele foi, dirigindo o carro. O veículo acabou parado pela Polícia Militar, meteram a arma no Rodrigo e ele saiu. O capitão da PM o pôs de joelhos, depois de fazer um círculo. E atirou seis vezes, de cima para baixo, por volta das 3h da madrugada. A Corregedoria fez tudo a favor do policial. O processo foi à Justiça comum, mas o policial acabou absolvido em segunda instância. No Jardim Novo Mundo, os policiais perseguiam os jovens do setor. Havia uma lista, mas meu filho não estava nela. Ele ia começar a cursar Educação Física.;

Divino Rodrigues Barco, 58 anos, professor aposentado, morador da Vila Nova, em Goiânia. O filho Rodrigo Dias Barco, 19, foi morto por um capitão da PM. Segundo a denúncia do Ministério Público, Rodrigo e um colega tentaram assaltar o Audi A3 do policial no Setor Marista, bairro nobre de Goiânia. O capitão foi denunciado à Justiça comum, mas a ação foi trancada pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Por ;merecimento;, o capitão recebeu a promoção a major da PM goiana em março deste ano.


Tortura dentro de casa


;Eram oito e meia da manhã, todo mundo tinha saído para o trabalho. Só ficou o meu filho. Os policiais arrebentaram a porta da minha casa, onde moro há 19 anos, e torturaram o Lindomar por toda a casa. Eles mataram meu filho com um tiro na nuca, dentro do quarto, perto do banheiro, onde o corpo foi encontrado. Lindomar tinha passagem pela polícia quando era menor, mas nunca ficou preso, nunca tiveram provas para isso. O que os policiais alegaram é que ele tinha participado do assalto de uma caminhonete e que esse veículo ficou na minha casa. Isso não aconteceu. Eu tenho os nomes de três policiais civis que fizeram isso, mas me disseram que foram quatro policiais. Um deles ficou no carro, e os outros três entraram na minha casa. Eles vieram na periferia, achando que as pessoas não têm condições de lutar. Eu lutei muito. No fim das contas, disseram que meu filho cometeu suicídio;.

Maria Pedrosa de Araújo, 46 anos, costureira, moradora do Setor Buriti Sereno, na periferia de Aparecida de Goiânia. O filho Lindomar Pedrosa de Araújo Mendanha foi assassinado aos 22 anos em setembro de 2004. No próximo 8 de junho, faria 28 anos.


A mando do tráfico


Duas denúncias à Justiça, uma de homicídio e outra de crime de tortura, foram insuficientes para retirar das ruas o soldado da PM Rogério Moreira da Silva, de 36 anos. Um ano depois da última denúncia, no fim de 2008, Rogério foi preso em Goiânia acusado de ter executado três pessoas a mando de traficantes. Ele agia a serviço do tráfico, cobrando propina para evitar o policiamento em regiões periféricas da cidade onde impera o comércio de drogas.

Em julho de 2006, o soldado Rogério e mais quatro policiais abordaram dois suspeitos de terem roubado um carro e, em plena luz do dia, teriam executado um dos suspeitos, dentro de uma mata no Jardim Botânico, em Goiânia. Rogério teria ficado no carro com um dos acusados, enquanto os outros policiais perseguiram o jovem de 21 anos e atiraram mais de 20 vezes contra ele. A justificativa dos militares é que o acusado do roubo reagiu à abordagem, disparando cinco vezes contra os policiais. Esse fato não é citado na denúncia do Ministério Público.

Acusado de ter participado do homicídio, Rogério era um policial indisciplinado, conforme informações prestadas pela própria PM. Ele já havia sido punido pela corporação por sair do quartel sem farda, por faltar ao trabalho, por deixar de assistir às aulas de noções de direito, por manobras arriscadas com o carro da polícia, por não voltar das férias e por agressão contra a mulher.

;Ele não se importa com o serviço de policial militar;, consta na ficha do policial apresentada ao MP. Rogério e outros dois PMs se envolveram num caso de tortura, em 2002. O MP os denunciou, quase seis anos depois, por ter aplicado gás de pimenta nos olhos de um suposto traficante de merla, além de tapas no rosto e socos no abdome da vítima. ;Eles ordenaram que o rapaz tirasse a calça e ficasse de joelhos. Chutaram uma ferida do jovem no glúteo esquerdo. O sangue sujou a sala da delegacia;, consta na denúncia. O objetivo das agressões era obter uma confissão do suposto traficante, que resolveu entregar à polícia a tortura sofrida. (VS)


;Casos isolados;


A Secretaria de Segurança Pública de Goiás afirma desconhecer a atuação de grupos de extermínio formados por policiais militares e civis na Grande Goiânia. O Correio tentou ouvir o secretário de Segurança Pública, Sérgio Augusto de Oliveira, sobre as investigações em andamento e sobre a entrada da Polícia Federal nas apurações. O secretário preferiu se manifestar por meio de uma nota elaborada pela assessoria de imprensa da SSP.

A nota tem apenas um parágrafo. ;A Secretaria de Segurança Pública assegura à sociedade que todas as denúncias são minuciosamente investigadas e apuradas pelas corregedorias (da PM e da Polícia Civil). Nenhum indício é ignorado e todas as informações são checadas com extrema responsabilidade e respeito às leis.;

Para a SSP em Goiás, as execuções cometidas por policiais militares e civis não se configuram como atuação de grupos de extermínio. ;Os policiais que comprovadamente cometem excessos são exemplarmente punidos e representam casos isolados, o que descaracteriza a formação de grupo;, conclui a nota enviada à reportagem. (VS)