O governo federal vai intensificar uma polêmica estratégia de tratamento de usuários de drogas no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack, lançado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Marcha dos Prefeitos. A política de redução de danos é adotada em diversos países como forma de minimizar os prejuízos daqueles que não conseguem parar. Consiste, entre outras ações, em permitir que o paciente continue usando a droga durante o tratamento para evitar graves crises de abstinência. O crack causa dependência rapidamente e, por isso, é de difícil tratamento. Esse tipo de medida começou a ser usado no país no programa de combate à Aids.
De acordo com o Ministério da Saúde, os Pontos de Acolhimento serão responsáveis pela política de redução de danos. Os espaços funcionarão como uma das portas de entrada dos viciados na rede de tratamento prevista no Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento para Usuários de Álcool e Drogas (Pead). Inicialmente, serão criados 70 pontos. Todos em cidades com mais de 400 mil habitantes. Entretanto, não será autorizado o uso de drogas nesses espaços. O ministério mantém a tese de que internações não são a melhor forma de tratamento, apesar de prometer ampliar a quantidade de leitos nos hospitais gerais.
O programa do governo, antecipado pelo Correio na terça-feira, vai investir R$ 400 milhões em várias ações que já estavam em andamento e que receberão reforço de outras áreas. O Palácio do Planalto dividiu as medidas em uma série de etapas, elegendo oito delas para aplicação imediata, principalmente nas áreas de repressão e prevenção. Segundo o Ministério da Saúde, até o fim do ano, os leitos para internação dos usuários deve ser passar de 2,5 mil para cinco mil, enquanto 52 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) serão reabilitados até o fim do ano, além de outros 136 que serão criados em 2011. ;Todo o atendimento será feito por meio de uma rede e já temos ações imediatas, que são os centros, que funcionarão 24 horas;, disse a ministra interina da Saúde, Márcia Bassit.
Eleições
O avanço do crack no Brasil promete entrar na pauta das eleições de outubro. Pouco antes de o governo lançar o plano, a pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, demonstrou, na propaganda eleitoral partidária, preocupação com o tema. A coincidência foi questionada ontem, mas os ministros envolvidos com a proposta negaram qualquer relação e sustentaram que as ações do plano estavam sendo discutidas desde o ano passado. ;Nós precisamos acabar com o achismo e entender com precisão o problema do crack;, disse Lula durante a Marcha dos Prefeitos. ;O aparecimento do crack, ele se deve pelo combate à cocaína. Na medida em que você começou a diminuir a venda de acetona, de éter, para fazer o processo de transformação na cocaína, o pessoal começou a vender a pasta bruta;, acrescentou o presidente. O tucano José Serra, também pré-candidato, foi outro que não deixou o assunto de lado. Recentemente, prometeu uma política nacional de combate a droga.
Na área de repressão, serão aplicados R$ 150 milhões na implantação de 10 Postos Especiais de Fronteiras (Pefron) em cidades consideradas vulneráveis, principalmente na divisa do Brasil com países produtores de cocaína. Segundo o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a Polícia Federal vai intensificar as operações nas regiões com as forças de segurança dos estados. ;É uma forma de fazermos um trabalho conjunto e desbaratar as quadrilhas;, explicou o ministro.
O plano do governo, que envolve os Ministérios da Saúde, Justiça, Educação e Assistência Social, além da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), é uma espécie de força-tarefa criada pelo Palácio do Planalto. A ideia, apesar de ser em período eleitoral, agradou especialistas, como a ex-presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de São Paulo Janaína Conceição Paschoal. Segundo ela, a integração é uma necessidade. ;É o pilar que vem acontecendo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso;, explicou Janaína.
Problemas específicos preocupam
Foi nos últimos 10 anos que o crack começou a se alastrar pelo país. Primeiro nas capitais, e depois em cidades do interior, até chegar à zona rural. Seu poder de viciar mais rapidamente fez também com que a droga deixasse de circular unicamente na parte pobre da sociedade, chegando à classe média. De 2005 para cá, os números de apreensões registradas mostram que a distribuição da pedra caminha para sair do controle das autoridades. Segundo especialistas, o governo precisa atacar em várias frentes, principalmente em repressão e tratamento.
;É fundamental um policiamento nas fronteiras. E o viciado precisa ser tratado como uma questão de saúde pública;, destacou o professor de história do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcos Bretas, especialista na área policial. Segundo o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, o crack não é apenas um problema que aumentou nos últimos anos, mas uma situação de difícil enfrentamento. ;É um desafio que vem crescendo, mas não temos uma solução mágica (para resolvê-lo), a não ser trabalhar de forma integrada;, disse Félix.
Na comparação do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, o problema do tráfico de crack é mais difícil de resolver do que o da cocaína, por exemplo. O negócio com as pedras se pulverizou, já que, normalmente os usuários também são viciados. ;Não há uma rede organizada e muitas pessoas vendem para sustentar o vício;, afirmou Barreto. (EL e AR)
Em todas as frentes
O governo pretende adotar oito ações de emergência para conter o avanço do crack no país. A execução das propostas envolve pelo menos quatro ministérios e a Senad. Os pontos anunciados ontem pelo Palácio do Planalto são os seguintes:
Enfrentamento
Ampliação de operações voltadas contra as redes do tráfico, principalmente nas regiões de fronteira. A ação contará com as polícias Federal e Rodoviária Federal, em conjunto com as forças de segurança dos estados, além do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Policiais
O governo pretende fortalecer as polícias estaduais para o enfrentamento qualificado ao tráfico do crack, principalmente nas áreas de maior incidência e vulnerabilidade para o consumo, como as cracolândias dos grandes centros do país.
Atendimento
Os ministérios envolvidos pretendem financiar ações de desenvolvimento assistencial, o que inclui as casas de passagens e comunidades terapêuticas. O governo busca duplicar o número de leitos para internação, passando dos 2,5 mil existentes hoje para 5 mil até o fim do ano.
Campanhas
O governo vai fazer uma campanha permanente de mobilização, informação e orientação em todo o país. O objetivo é conscientizar toda a sociedade.
Projeto Rondon
Criado na época do regime militar, o projeto que reúne estudantes universitários de várias regiões do país será chamado para ajudar nas ações contra o crack nas áreas de grande vulnerabilidade.
Capacitação
Os profissionais das redes de saúde e assistência social serão treinados em reinserção social. Além disso, educadores serão capacitados para formarem multiplicadores em prevenção.
Juizados
Juízes e equipes psicossociais receberão capacitação para uniformizar e implementar práticas e políticas de reinserção social.
Informações
O governo vai criar um site específico sobre o crack para disseminar informações, estudos e fomentar debates relacionados à droga.