Amanhã faz 20 anos que a assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS(1)) decidiu retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Cinco anos antes da histórica decisão do órgão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro já tinha deixado de considerar a homossexualidade como desvio sexual. Em 1999, o CFP baixou uma resolução que reforça o tom e estabelece regras para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual (leia quadro). ;Foi um momento histórico e importante, com outras decisões, para proteger os direitos humanos. À época, os 16 conselhos regionais referendaram a decisão e os movimentos dos homossexuais fizeram grandes manifestações de apoio;, lembra Ana Bock, então presidente do CFP e responsável por assinar a resolução que criou as normas. Hoje secretária executiva da União Latino-americana de Entidades de Psicologia (Ulapsi), Ana explica que pode haver mal entendido no consultório. ;Às vezes, os profissionais usam a palavra cura como forma de tentar resolver algum sofrimento do paciente, hetero ou homossexual;, acrescenta.
Apesar de não ter recorrido a um psicólogo, Adryan chegou a sair de casa aos 17 anos por conta da pressão familiar. ;Não suportei. Eram muitas brigas. Hoje eles já me respeitam;, conta. Abandonado pelos pais biológicos desde pequeno, o jovem foi criado pelos avós paternos. ;Eles são minha família, mesmo com todos os conflitos. Quando estava morando na França e soube que minha avó estava internada, voltei correndo. Atualmente, moro com eles e ninguém me pergunta nada.; A atual boa relação que mantém com os parentes diverge da época em que revelou a opção sexual. ;Meu pai biológico chegou a me procurar com um revólver para me matar quando soube que eu era homossexual;, revela.
Há 20 anos, o Código Internacional de Doenças (CID) 302.0 classificava o homossexualismo como doença mental. Além da retirada da lista da OMS, o novo entendimento em relação à opção sexual também eliminou o sufixo ;ismo;, que remete a enfermidade. ;Foi um grande avanço. No entanto, 76 países ainda criminalizam uma pessoa LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgênero), e outras cinco nações punem com a pena de morte;, observa o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis. Segundo relatório anual da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA), a pena de morte para o segmento é adotada no Irã, na Arábia Saudita, no Iêmen, na Nigéria, e em Uganda.
1 - Marcha nacional
Por conta da decisão da OMS, em 17 de maio também é comemorado o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Uma série de atividades está sendo organizada para lembrar a data. No Brasil, uma delas é a I Marcha Nacional contra a homofobia e o I Grito Nacional pela Cidadania LGBT, a partir das 9h na Esplanada dos Ministérios. ;Vamos cobrar a garantia do Estado laico (sem interferência de religião), o combate ao fundamentalismo religioso, o cumprimento do Plano Nacional LGBT na sua totalidade pelo governo federal, além da decisão favorável, pelo Judiciário, sobre a união estável entre casais homoafetivos`, adianta Toni Reis.
"A decisão da OMS foi um grande avanço. No entanto, 76 países ainda criminalizam uma pessoa LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgênero) e outras cinco nações punem com a pena de morte"
Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
Reversão censurada
Cinco processos já foram julgados pelo CFP referentes à resolução publicada em 1999. Dois foram anulados e um, arquivado. Dois psicólogos receberam censura pública por tentarem ;curar; a homossexualidade. O caso mais recente foi registrado ano passado. A psicóloga Rozângela Alves Justino, com consultório no Rio de Janeiro, foi censurada pelo CFP por prometer reverter a homossexualidade. Segundo a conselheira-secretária do órgão, Clara Goldman, os psicólogos não devem se pronunciar nem participar de pronunciamentos em público que possam reforçar preconceitos sociais em relação a homossexuais.
;A orientação sexual é um direito humano. Os profissionais que infringirem essas normas correm o risco de serem processados eticamente pelo conselho. Não é uma resolução apenas para dentro da psicologia, é utilizada também como instrumento de luta para a sociedade. Tem utilidade social contra o preconceito;, esclarece.
Para Welton Trindade, diretor da ONG Estruturação ; grupo LGBT de Brasília, o 17 de maio é uma importante data, que vem somar-se à luta contra o racismo, o machismo e qualquer forma de discriminação. ;O ser humano deve ser respeitando integralmente. É um dia para se refletir contra todas as formas de preconceito. A homofobia causa prejuízos familiares, violência física, demissões e até assassinatos. É o momento de lembrar como é negativo esse tipo de postura homofóbica;, observa.
Nem doença nem distúrbio e nem perversão
Quase uma década depois de a assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro estabeleceu, em 22 de março de 1999, normas para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual. Confira, abaixo, o texto da resolução do CFP.
RESOLUÇÃO CFP N; 001/99:
# Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual
# O Conselho Federal de Psicologia, no uso de suas atribuições legais e regimentais,
# Considerando que o psicólogo é um profissional da saúde;
# Considerando que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade.
# Considerando que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
# Considerando que a homossexualidade não constitui doença nem distúrbio e nem perversão;
# Considerando que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente;
# Considerando que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.
RESOLVE:
# Art. 1; ; Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão, notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
# Art. 2; ; Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
# Art. 3; ; Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
# Parágrafo único ; Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.
# Art. 4; ; Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
# Art. 5; ; Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
# Art. 6; ; Revogam-se todas as disposições em contrário.
Brasília, 22 de março de 1999. Ana Mercês Bahia Rock Conselheira Presidente