Jornal Correio Braziliense

Brasil

A corrida do ouro volta em novo estilo

Garimpo fechado em 1992, que foi tema de filme dos Trapalhões e chegou a produzir 14 toneladas ao ano, será reativado de modo mecanizado. Empresa canadense e cooperativa vão explorar a área

Depois de 18 anos, o garimpo de Serra Pelada, no Pará, voltará a funcionar de forma mecanizada. Considerada há décadas como uma das maiores jazidas de ouro do mundo, a mina será explorada por uma cooperativa formada por cerca de 45 mil garimpeiros e pela empresa canadense Colossus Minerals Inc, que ficará com 75% da sociedade. A portaria criando a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPE), assinada ontem em Curionópolis (PA) pelo ministro de Minas e Energia, Marcos Zimmermann, reacende a esperança e os sonhos dos remanescentes da época áurea do ouro, quando o garimpo chegou a produzir até 14 toneladas por ano. Serra Pelada ficou famosa a partir de 1979, quando foi encontrada a primeira pepita de ouro na região. A partir daí, milhares de mineradores se deslocaram para o sul do Pará, transformando os barrancos em uma enorme cratera, que resiste até hoje, mas sem condições de produção. Com a assinatura da portaria, a lavra poderá ser explorada novamente, mas de forma mecanizada, que será feita pela empresa canadense e pela cooperativa, batizada de Coomigasp. Os formigueiros humanos que se formavam em Serra Pelada serão substituídos por trabalhadores de mineral, que irão explorar o ouro em uma mina subterrânea. Quando estava em seu apogeu, em 1983, o garimpo chegou a produzir 13,9 toneladas, mas pouco ouro ficava realmente com os mineradores. Alguns eram empregados de terceiros, enquanto outros gastavam dinheiro na mesma velocidade que achavam grandes pepitas. Foi o caso de um garimpeiro conhecido por Índio, que chegou a alugar um avião comercial para ir ao Rio de Janeiro, onde teria se hospedado em um hotel de luxo - história contada até hoje na região. Serra Pelada, que na época era governada pelo major Sebastião Curió, oriundo do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), tinha até agência da Caixa Econômica Federal. Mas, por volta de 1987, depois da fase áurea, já entrava em decadência, quando a produção mal alcançava 2,2 toneladas. Nos anos seguintes, o declive foi cada vez maior. Com isso, milhares de garimpeiros deixaram a região. Aqueles que ficaram pouco extraíam. Muitas dessas pessoas abandonaram famílias, perderam fortunas para explorar Serra Pelada, como o caso de um veterano da Força de Paz no Brasil que vendeu todos os bens que tinha em São Paulo para garimpar no local. Perdeu tudo e, décadas depois, vivia da ajuda dos remanescentes que continuaram na vila formada em torno do grande lago contaminado por mercúrio. Como nada havia para se fazer, aos poucos, vários ex-trabalhadores se mudaram para Curionópolis, cidade nascida com a exploração do ouro. Com o passar dos anos, pouca coisa mudou. O famoso pau da mentira continua sendo o local preferido para as reuniões e lembranças. Era no pé de uma grande árvore, localizada no centro da vila, que os garimpeiros sentaram para contar suas façanhas e vantagens - daí o nome do lugar. Muitos deles se vangloriavam de ter encontrado grandes pepitas, o que, muitas vezes, poderia lhes custar a vida, ao serem roubados por assaltantes. Próximo dali ficava o único cinema de Serra Pelada, que ainda manteve por anos os cartazes dos filmes exibidos, como o dos Trapalhões, que gravaram cenas no garimpo. No auge, até a ex-chacrete Rita Cadillac passou por lá. Ocupação Durante vários anos os garimpeiros resistiram à retirada. Alguns morreram em disputas entre as cooperativas. Mas a maior ação do governo contra os mineradores aconteceu em 1996, quando mais de mil soldados do Exército e 100 homens da Polícia Federal ocuparam Serra Pelada. Os trabalhadores formaram barricadas, cavaram trincheiras e se prepararam para enfrentar o Exército. Enquanto esperavam pelos militares e pela PF, o assunto era sempre o mesmo: o sonho de voltar a garimpar, de voltar de onde vieram e enriquecer. A ocupação aconteceu, mas tudo foi feito de forma pacífica. Anos depois, a maior parte deles acabou voltando. Com a portaria, os garimpeiros só poderão usar maquinários na exploração do ouro. Os meios rudimentares, que ainda hoje prevalecem sem sucesso, só serão permitidos nos rejeitos. A Coomigasp - que reúne 20 associações, sindicatos e cooperativas - ganhou o direito da mineração há três anos, quando o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) autorizou o início da lavra industrial. Até o início da semana, a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Curionópolis estava confirmada, mas o Palácio do Planalto cancelou há poucos dias do evento, que teve apenas a presença de Zimmermann. Em queda livre Depois da produção em alta escala em 1979, o garimpo de Serra Pelada só teve períodos de baixa, até a desativação da mina, em 1992. De 13,9 toneladas, a produção caiu para 2,2 toneladas em 1987 e, um ano depois, estava em 745 quilos. Pouco depois, apesar da insistência dos garimpeiros, a diminuição foi ainda mais significativa: 250 quilos em 1990. Os mineradores chegaram a tentar novas fontes de exploração, como os rios. Com a ajuda de mangueiras, eles tiravam areias dos barrancos e tentavam localizar o metal usando mercúrio, o que causava degradação ambiental.