Pelo menos 20% dos casais homoafetivos têm interesse em adotar uma criança no Brasil, enquanto entre os heterossexuais o mesmo percentual não chega a 10%, segundo levantamento da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). ;Não é porque esse segmento não pode gerar filhos biológicos que o desejo é menor. Eles são mais sensíveis e querem formar um lar de verdade;, explica o advogado da ABGLT Pedro Lessi, especialista em direito de família há 28 anos. Segundo Lessi, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de autorizar um casal de mulheres gaúchas a adotar duas crianças é o primeiro passo para aprovação de uma súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, abrir precedente para outros homossexuais conseguirem na Justiça o mesmo direito.
Apesar da decisão histórica do STJ, Lessi observa que não haverá mais facilidade na adoção de meninos e meninas por parte dos casais homoafetivos. ;A criança necessita de um lar, de amor, de estruturação, independentemente da orientação sexual dos pais. Esse não é o ponto mais importante. O que vale é o comprometimento e a responsabilidade com a criança a ser adotada. Não vai ser fácil novas adoções, mas essa decisão foi um importante precedente que deve servir de paradigma para os próximos casos;, acrescenta.
Na avaliação da coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Ana Luiza de Souza, é necessário desconstruir a ideia de que é preciso ser heterossexual para adotar uma criança no Brasil. ;Meninos e meninas precisam de pais amorosos e que cuidem dela;, opina. De acordo com a psicóloga, que trabalha na 1; Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, especializada em adoção, não existe nenhum estudo que comprove danos às crianças por conta da orientação sexual de seus pais. ;Por outro lado, pesquisas mostram que o carinho e o amor dos pais são muito importantes para a formação do caráter dos pequenos;, completa.
Fila
Dados atuais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção, revelam que há 27.290 pessoas aguardando na fila para receber crianças. Já o número de meninos e meninas disponíveis (4.798) é bem menor do que a procura. Para estar incluído no cadastro, é preciso preencher alguns requisitos. No Distrito Federal, segundo informações da Vara da Infância e da Juventude, há 434 inscritos, sendo dois casais homoafetivos. De 2006, ano em que foi autorizada a primeira adoção por um casal de homossexuais, até 2010, a vara concedeu o direito a cinco casais que vivem em Brasília. Para o órgão, ;a adoção de crianças por casal homossexual é normal.;
Um dos mais satisfeitos com a decisão do STJ é Toni Reis. Presidente da ABGLT, Reis vive há 20 anos com o inglês David Harrad e luta há pelo menos seis anos para conseguir adotar uma criança. ;Não tentei a adoção individual, como fez o casal gaúcho que acabou ganhando no STJ. Optei seguir os trâmites legais;, diz ele, que preferiu se inscrever no processo como casal. Toni e seu companheiro entregaram documentos, participaram de entrevistas, receberam visitas e frequentaram um curso. Mesmo com toda a burocracia, o casal ainda aguarda parecer do STJ. ;Estou muito feliz com a decisão. Isso vai interferir em futuros julgamentos;, ressalta. Questionado sobre o perfil da criança, Toni diz que não tem preferência. ;Pode ser de qualquer cor e sexo.;
Ouça trecho da entrevista com a coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Ana Luiza de Souza