Supremo Tribunal Federal (STF) começa hoje (28/4) um dos julgamentos mais polêmicos do ano. Os ministros vão analisar uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pede a revisão da Lei da Anistia(1), principalmente na definição dos crimes que tiveram perdão em 1979, quando a legislação foi implementada no país. A Ordem quer que agentes públicos acusados de repressão durante o regime militar sejam excluídos do rol de delitos abrangidos pela lei. O processo já teve parecer contrário da Procuradoria-Geral da República, que considera o fato um assunto encerrado. Porém, diversas entidades estarão hoje na sessão defendendo a contestação.
Segundo a OAB, a Lei da Anistia, em seu formato atual, atinge vários tipos de crimes, já que em seu artigo 1; estabelece que o perdão é dado aos delitos considerados conexos de toda natureza. Com isso, conforme a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a indefinição permite que autores de homicídio, lesão corporal, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores do poder à época não sejam penalizados. Pelo texto atual, todos os crimes definidos como políticos ou praticados por motivação política, foram perdoados.
Cicatrização
O próprio Ministério Público Federal ficou dividido quanto à reformulação da Lei de Anistia. Em fevereiro deste ano, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou improcedente a ação da OAB, avaliando que sua modificação significaria um rompimento com o compromisso feito à época. Além disso, Gurgel ressaltou que no período em que a legislação foi feita, houve um debate nacional sobre o tema. Porém, outros setores do MPF acreditam que a Lei da Anistia precisa ser reformulada, principalmente procuradores de primeira instância.
Um dos argumentos dos movimentos favoráveis à contestação da lei será uma decisão de agosto do ano passado, pelo próprio Supremo, quando analisou e aprovou a extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini. O militar, que teve a prisão pedida pela Argentina, teria participado da Operação Condor, desencadeada na década de 1970 pelo países do Cone Sul e Chile para reprimir os opositores. ;Seria uma incoerência falar que a anistia vale para todos, sendo que o STF autorizou a extradição do uruguaio;, afirma o advogado Pierpaolo Bottini, que vai atuar favoravelmente pela revisão. Ele explica que a atitude do Supremo é um argumento técnico que será usado, já que o militar era um agente público e teve a mesma reação que outros servidores brasileiros que atuaram na repressão.
Para o senador Pedro Simon (PMDB-RS), o julgamento da ação será uma oportunidade de modificar a história do país, lavando as feridas. ;Vai permitir a cicatrização de uma chaga que ainda sangra, dói e machuca;, afirmou o parlamentar, ressaltando que o Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os aqueles que atuaram e excederam durante a ditadura. ;Tortura não é crime político. É um atentado à dignidade humana.; Para o general Gilberto Barbosa de Figueiredo, presidente do Clube Militar, não há necessidade de se modificar a legislação. ;O que aconteceu foi para os dois lados;, argumentou.
1 - De que se trata
A Lei da Anistia atingiu todas as pessoas que cometeram crimes políticos ou por motivação política de 2 de setembro de 1969 a 15 de agosto de 1979. Com isso, várias lideranças que estavam banidas no exterior, como Leonel Brizola e Miguel Arraes, puderam retornar ao Brasil. Além disso, a lei possibilitou que muitas pessoas ; principalmente servidores públicos ; retomassem seus direitos cassados durante o regime militar. Os mesmos benefícios dados aos civis foram repassados aos militares.