Jornal Correio Braziliense

Brasil

Falta capacitação tecnológica

Estudo da Unesco traça um panorama da formação de professores no país e constata que docentes não estão preparados para aplicar novos conhecimentos em sala de aula

Faz tempo que a dupla giz e quadro-negro deixou de ser o único recurso do professor. Embora o índice de escolas públicas de educação básica no país com laboratórios de informática e de ciências seja, conforme dados oficiais de 2008, de 30% e 10%, respectivamente, a demanda por inovações tem sido cada vez maior. Engana-se, entretanto, quem aponta como único obstáculo a carência de recursos para equipar os colégios. Especialistas são unânimes em afirmar que a capacitação dos docentes é ponto fundamental na aplicação da tecnologia dentro de sala de aula. Estudo encomendado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) revela, porém, que não passa de 2% a proporção de disciplinas obrigatórias dentro da formação inicial dos futuros professores brasileiros.

Marcada para ser apresentada na terça-feira em evento internacional(1), em Brasília, a pesquisa sobre o emprego da tecnologia da informação e comunicação (TICs) na educação traz dados de aproximadamente 2 mil currículos dos cursos de pedagogia, ciências biológicas, licenciatura em letras (português) e em matemática no Brasil. Para a consultora independente contratada pela Unesco Maria Inês Bastos, ainda é muito pouca a abordagem do tema na formação inicial do professor. ;Nesse universo avaliado, o maior índice foi de 1,6%, em matemática;, destaca a socióloga, para quem a capacitação dos docentes no país carrega uma carga alta de teoria. ;Isso é importante para formar um profissional crítico e analítico. Só que discussões libertárias e ideológicas demais não ajudam aquele que será egresso do curso a trabalhar numa sala de aula. Falta prática;, sentencia.

Maria Inês destaca, porém, o curto tempo de discussão sobre a aplicação das TICs na educação. ;São ferramentas que surgiram mais fortemente na década de 1990, então é natural que o tema esteja sendo trabalhado ainda;, afirma. A maior ação que o governo federal poderia comandar, na avaliação de Carlos Bielchowsky, secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação (MEC), é a capacitação de 300 mil professores atualmente na área de mídias na educação. ;São profissionais em serviço que estão sendo treinados. Já os 150 mil que estão se formando na Universidade Aberta do Brasil (que é a distância), esses sim vão ter o tema das TICs na veia;, destaca Bielchowsky. ;Mas temos que trabalhar o tema com as faculdades presenciais, sem dúvida.;

1 - Debate
Representantes de países da América Latina e Caribe se reunirão, entre terça e quarta-feira, em conferência internacional cujo tema é o impacto das TICs na Educação. O objetivo é construir e avançar na produção de conhecimentos e modelos para mobilizar políticas sobre o tema. A organização do evento é feita pela Unesco e pelo Ministério da Educação. Além de educadores e autoridades dos países participantes, especialistas na área de tecnologia de informação e comunicação de entidades e da iniciativa privada estarão presentes.

Inovação necessária


Embora alunos de um curso presencial de pedagogia no Distrito Federal, Marcelo Prochazka e Geane Vieira não deixaram de aprender sobre tecnologia aplicada à educação. Tiveram uma disciplina sobre o tema. ;No início há um estranhamento mesmo. Mas depois que fomos estudando, mudei meu conceito de que a educação a distância, por exemplo, é enrolação;, conta a moça de 28 anos que está no último semestre da graduação. Marcelo Prochazka, estudante do segundo semestre, entusiasma-se com o potencial. ;Vejo a tecnologia como uma forma de aguçar a curiosidade e interesse do aluno;, diz o gaúcho de 39 anos.

Professora da disciplina tecnologia educacional ministrada no curso de letras (português) do Centro Universitário Unieuro, Yonara Costa Magalhães destaca alguns pontos que dificultam a aplicação das TICs na formação inicial dos docentes. ;O professor universitário com 15, 30 anos de sala de aula não passou por essa transformação, é natural que ele resista a isso. Outro ponto é o aluno, que não sabe ainda que resultados práticos terá caso, quando profissional, decidir implementar a tecnologia no seu trabalho;, destaca. Segundo Yonara, a missão de sua disciplina é, entre outras questões, mostrar ao estudante que ele deve se aliar à informática e aos demais instrumentos inovadores, e não brigar com eles. ;Ainda há um certo receio de perder o controle da turma quando se ensina com o apoio da tecnologia, sobretudo pessoas com um perfil mais conservador;, diz.

Guilherme Canela, coordenador de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, lembra o quanto é complicado capacitar docentes no tema da tecnologia, mas defende uma ação continuada e focada ainda na graduação. ;Embora não seja uma tarefa trivial, temos de decidir de que forma a tecnologia da informação e comunicação fará parte da formação inicial dos professores. Capacitar profissionais em serviço é positivo, mas não sustentável na linha do tempo;, afirma o especialista. (RM)


Longe da tecnologia


Pesquisa encomendada pela Unesco mostra que, dentro da formação profissional específica*, onde estão previstos os conhecimentos relacionados à tecnologia, é mínima a proporção de disciplinas obrigatórias ligadas ao tema no país. Além do curso de pedagogia, as licenciaturas em matemática, letras (português) e ciências biológicas foram analisadas em cerca de 2 mil currículos. Veja os dados:

Disciplina - Proporção de conteúdo ligado à tecnologia

Pedagogia - 0,8%
Letras - 0,2%
Matemática - 1,6%
Ciências biológicas - 0,2%

A formação profissional específica inclui três vertentes: conteúdos do currículo da educação básica; didáticas específicas, metodologia e práticas de ensino; saberes relacionados à tecnologia (gestão de mídias educacionais, informática aplicada à educação, recursos tecnológicos para a educação)

Fonte: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)