Jornal Correio Braziliense

Brasil

Conflito agrário mata menos e agride mais

Relatório da Pastoral da Terra mostra queda no número de mortes entre 2008 e 2009, mas registra crescimento no número de torturas, ameaças e tentativas de homicídio

Dados divulgados ontem pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que as mortes no campo vêm diminuindo, mas a violência é comum na disputa pela posse de um lote continua alta país afora. Segundo as estatísticas, as tentativas de homicídio aumentaram de 44 em 2008 para 62 no ano passado. Já as ameaças de morte saltaram de 90 para 143 e o número de camponeses torturados cresceu de seis para 71 em um ano. Os conflitos no campo também levaram 204 pessoas à cadeia no ano passado, contra 168 em 2008.

Os estados que se destacaram em 2009 pelo número de ocorrências desse tipo de conflito foram Pará, com 160, e São Paulo, com 114 casos. No total, a CPT, entidade ligada à Igreja Católica, registrou 854 conflitos em 2009 contra 751 no ano anterior. O número de pessoas assassinadas fechou o ano em 25. Em 2008, foram 28. ;Não temos o que comemorar. Mas posso adiantar que, se esse número continuar caindo, significa que estamos avançando na reforma agrária sem derramar tanto sangue;, comentou o advogado Carlos Frosse, da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) de Xinguara, sul do Pará. Ele dá assistências aos camponeses que são expulsos dos lotes por jagunços.

A CPT também registrou um aumento considerável no número de famílias ameaçadas por pistoleiros no campo. Comparando 2009 com o ano anterior, o crescimento foi de 29,7%. Os jagunços pagos por fazendeiros também destroem as casas que os colonos erguem no campo para esperar pela reforma agrária. Pelos dados da CPT, o número de barracos destruídos subiu 163% em um ano. Já o de plantações dizimadas teve alta de 233%. ;Os jagunços danificam as plantações para expulsar os colonos;, diz Frosse.

Pela análise da CPT, o agravamento dos conflitos no campo reflete diretamente na expulsão dos colonos do campo, o que faz com que eles procurem os grandes centros em busca de oportunidades. Pelas contas da entidade, 1.884 famílias tiveram que sair da propriedade rural em 2009. No ano anterior, foram 1.841. ;A explosão demográfica das grandes cidades tem origem na migração dos camponeses. Sem casa e plantação eles tentam a vida na capital e elevam a taxa de desemprego;, ressalta Fernando Gomes, da CPT de São Paulo.

As estatísticas mostram ainda que, durante o último quarto de século, o Brasil teve, a cada ano, em média, 63 mortes em 765 conflitos pela terra. No mesmo período houve também 2.709 expulsões de famílias de suas terras, 13.815 desalojamentos e 422 detenções de camponeses. ;Ainda assim a violência não conseguiu que os movimentos sociais reduzissem. Ao contrário: aumentou o número de ocupações em fazendas de 252 em 2008 para 290 em 2009;, aponta o relatório da CPT.

Mobilização

Segundo o estudo, há no Brasil 36 acampamentos, nos quais 4.176 famílias estão à espera de um lote. ;Em ano eleitoral, a tendência é que os acampamentos aumentem por causa das visitas e das promessas dos políticos;, destaca o sociólogo Eduardo Mourão, da organização não governamental Nossa Terra. Em 2008, havia 40 acampamentos abrigando 2.755 famílias.

Um dado que chamou a atenção no relatório 2009 da CPT refere-se às grandes extensões de terras envolvidas nos conflitos. Pelo menos 15.116.590 hectares são alvos de disputas violentas. Esse número é o maior registrado na série histórica da CPT desde 2000. Em 2008, os conflitos envolviam 6.568.755 hectares, ou seja, menos da metade.

Na análise da CPT, a grande quantidade de terras envolvidas é um indicativo de lutas por territórios tradicionais. ;São áreas coletivas que estão sendo pressionadas para serem privatizadas e os grupos tentam preservar;, disse o secretário da coordenação nacional da CPT, Antônio Canuto. Para o geógrafo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Porto-Gonçalves, as comunidades tradicionais estão assumindo a luta pela terra em um momento em que os movimentos sociais enfraqueceram a mobilização. ;As perspectivas dos movimentos sociais em relação ao atual governo são frustradas. De outro lado, políticas sociais bem-sucedidas tiraram o poder dos movimentos de fazer convocações;, ressaltou Gonçalves.