Em situações como a que fez submergir o estado do Rio ; e o município de Niterói, especialmente ;, a matemática é cruelmente ingrata. A soma sempre contabiliza o número de mortos, que chegou a 212 às 22h de ontem. A subtração é aquela que não tem como se medir. Aplica-se a uma série de ausências ; materiais, sentimentais ; que marcam um novo dia a dia para famílias que perderam tudo ou parte daquilo que mal conseguiam sustentar.
Nesse cálculo, Niterói contabiliza 132 vítimas. O Rio, 60, e São Gonçalo, 16. Mais quatro pessoas morreram em outras localidades. Para tentar reduzir os danos que podem ser reparados, uma coleção de números foi anunciada pelo governo federal. Na quinta, recursos na casa de R$ 200 milhões, que serão destinados à reconstrução do estado. Ontem, a liberação do FGTS ; limitado a R$ 4.650 ; aos moradores das áreas atingidas (leia reportagem na página 11). Dinheiro que repetidamente serve mais para remediar, em vez de prevenir. Entre 2004 e 2010, o país gastou seis vezes mais para recuperar (R$ 2,7 bilhões) do que para evitar (R$ 412 milhões) (leia quadro abaixo).
Enquanto o poder público não aprende, aqueles que são vítimas ; e a cada ano esse é um personagem que se multiplica ; acabam empurrados para mais estatísticas. Ou, em alguns casos, se tornam o símbolo de inúmeros dramas. Como o menino Marcus Vinícius, cujo o corpo, no colo do pai, Walmir França da Matta, no Morro dos Prazeres, é ; e será ; um retrato do desespero vivido no Rio.
Na contramão, autoridades se atrapalham, não só em números, mas em palavras. O Ministério da Integração Nacional, em meio ao drama fluminense, resolveu liberar recursos para cidades do Sul, atingidas pelas chuvas no início do ano (leia reportagem abaixo). O ex-ministro da pasta Geddel Vieira Lima, acusado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de beneficiar seu estado, a Bahia, na liberação de verbas, ironizou a situação, segundo a coluna Radar, da Veja: ;Não é bem assim. Mas enquanto disserem que eu dei mais dinheiro para a Bahia, não deixa de ser bom para mim;;
Recursos liberados; no Sul
O Ministério da Integração Nacional tirou da gaveta um pacote de ajuda financeira a 42 cidades atingidas por fortes chuvas. Detalhe: são cidades do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que sofreram com temporais no início do ano. A decisão foi tomada em meio ao fogo cruzado sobre as responsabilidades do poder público pela tragédia no Rio de Janeiro e o desgaste provocado pelo resultado de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que aponta concentração de recursos da Defesa Civil na Bahia, estado do ex-ministro Geddel Vieira Lima. A autorização para liberar parte dos R$ 33,4 milhões estava assinada por Geddel, mas as portarias não haviam sido publicadas. O novo representante da pasta, João Reis Santana, incluiu outros municípios que declararam estado de emergência e disponibilizou os recursos. Entretanto, o prazo para a verba deixar Brasília é de até seis meses. As portarias foram publicadas no Diário Oficial da União de quinta-feira.
Distante 1.873 quilômetros da capital federal, Soledade, no interior do Rio Grande do Sul, ficou isolada depois das enxurradas que levaram pontes, estradas e mais de 20 casas. Só agora a prefeitura começou a limpar a área de um morro que desabou em janeiro. ;Desde o início do ano só trabalhamos para reverter o prejuízo. Gastamos mais que a nossa capacidade de endividamento e ainda estamos tentando voltar à vida normal;, disse o prefeito Gelson Renato Cainelli (PT), que administra um orçamento de R$ 37 milhões. As primeiras enchentes ocorreram ainda em 2008, nos meses de setembro e outubro. A administração recorreu à União. Pediu R$ 1.169.802 para recuperar pontes e estradas vicinais.
Ilhados
Avisado pelo Correio que o dinheiro, enfim, tinha saído, o prefeito tomou um susto: ;Não recebemos nenhum aviso e a verba ainda não foi depositada. Tem muito tempo que mandamos a documentação;. O prefeito cobrou mais agilidade na liberação dos recursos emergenciais, sugerindo a desburocratização dos processos e mais eficiência no controle das contas. ;Não dá para ter limitação. O recurso tem que ser rápido. A cidade está sofrendo desde o ano passado;, criticou. Ele defende a criação de um fundo específico para ações de reparo de danos causados por desastres naturais. No início de 2010, uma nova sequência de chuvas atingiu a cidade. Um novo pedido de ajuda no valor de R$ 1,2 milhão foi encaminhado ao ministério. Ainda não há sinal desses recursos.
Com 2,3 mil habitantes, Ivorá, no mesmo estado, também não conseguiu, com recursos próprios, arcar com os prejuízos da sequência de chuvas dos primeiros meses do ano. ;Ficamos ilhados, sem comunicação e o que precisamos é de verba para reconstruir a infraestrutura da cidade;, reclama a vice-prefeita Vera Rossato (PMDB), que disse ter encaminhado há meses o levantamento detalhado com as necessidades do município.
Além da destruição na zona rural, o município de Agudo perdeu o vice-prefeito, Hilberto Boeck (PMDB). Ele morreu no desabamento de uma ponte sobre o Rio Jacuí. ;Tivemos que fazer três projetos diferentes para apresentar ao ministério;, conta o secretário da fazenda, Ademir Kesseler. Segundo Kesseler, a secretaria estipulou valor máximo de R$ 1,6 milhão. A proposta apresentada inicialmente pela prefeitura era de R$ 2,4 milhões. ;É praticamente impossível recuperar tudo que perdemos com o que recebemos.; O prefeito já fez três viagens a Brasília para pleitear verbas. Conseguiu até agora metade do prometido, o equivalente a R$ 800 mil. O Correio pediu ao ministério o valor dos repasses para município atingidos pelas chuvas em 2009 e 2010. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
Politicagem
Uma portaria autoriza ainda a liberação de R$ 5 milhões para Bofete, no interior de São Paulo. O prejuízo na cidade ainda está sendo contabilizado. Na época, 19 pontes cairam e 200 quilômetros de estrada foram destruídos.
O senador Raimundo Colombo (DEM-SC), autor do pedido de auditoria nas verbas da Defesa Civil, disse que na época da solicitação, em janeiro de 2009, o ministro disse que a medida prejudicaria a liberação de verbas para o estado atingido por fortes chuvas em 2008. ;O Geddel tentou jogar a opinião pública contra mim. Fez politicagem com dinheiro público e mandou os recursos para onde não precisava;, critica. (AR)
Colaboraram Denise Rothenburg e Joana Tiso
Veja outras ações anunciadas pela Caixa Econômica Federal, ontem, para ajudar às vítimas das enchentes que atingem o estado do Rio de Janeiro desde a última segunda-feira, dia 05 de abril.
- Abertura da conta 0199.006.2010-1 para recebimento de depósitos, em qualquer agência da CAIXA, Casas Lotéricas e Correspondentes Bancários, bem como transferência pela internet.
- Arrecadação de doações (roupas de cama, mesa e uso pessoal; alimentos não perecíveis; produtos de higiene pessoal e limpeza) em todas as agências da CAIXA da região metropolitana do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e Niterói.
- Funcionamento da Central de Telemarketing (0800-7260101) para prestar informações sobre o recebimento de donativos e FGTS.
- Atuação do movimento de voluntários da CAIXA para reforço na campanha de arrecadação.
- Fornecimento de assistência técnica para elaboração de projetos e demais providências empreendidas pelos municípios.
- Priorização dos projetos do Programa Minha Casa Minha Vida que beneficiem as localidades atingidas pelas enchentes.
- Emissão gratuita de CPF para as populações atingidas.
- Doação de mobiliário não utilizado pela Instituição para as vítimas por intermédio das Secretarias de Ação Social dos municípios atingidos.