Brasília - Crianças vítimas de abuso sexual são obrigadas a reviver o que sofreu na hora do depoimento. No Brasil, elas são ouvidas em diversas instâncias. Mas, por meio do depoimento sem dano, utilizado em alguns tribunais de justiça do país, a criança depõe uma única vez e sua fala é gravada.
A ideia é evitar o que os especialistas chamam de revitimização da criança. No sistema tradicional é longo o trajeto da criança após a denúncia. O primeiro passo normalmente é o Conselho Tutelar, depois é a delegacia especializada, o Instituto Médico Legal, o posto de saúde, o Ministério Público, a vara especializada ou, quando esta não existe, a vara criminal onde tem que comparecer mais de uma vez.
Na nova sistemática a criança fala a um psicólogo ou a outro profissional designado. O procedimento é feito em duas salas localizadas nos tribunais de justiça. Em uma fica o juiz, o advogado de defesa, o promotor e o acusado com uma televisão, por onde é transmitido o depoimento da vítima e na outra fica a criança e o psicólogo.
O psicólogo utiliza um ponto no ouvido para escutar as perguntas que o juiz e os demais inquiridores fazem, e transmite as perguntas à criança com uma linguagem adequada, utilizando brinquedos e bonecos. De acordo com levantamento feito pela organização não governamental Childhood Brasil, o método é adotado em mais de 28 países e em alguns está incorporado à legislação.
No Brasil, o método começou a ser praticado em 2003, no Rio Grande do Sul, servindo de modelo para os demais estados. No Senado Federal um projeto de lei que incorpora o depoimento sem dano à legislação, foi aprovado no último dia 17 de março na Comissão de Constituição e Justiça.
O juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Dr. José Antônio Daltoé Cezar, disse que o trabalho baseia-se na Convenção Internacional sobre os direitos das crianças que assegura a elas o direito de ser ouvida em processos judiciais.
O juiz revelou que em sete anos de implantação do depoimento sem dano mais de 2 mil crianças foram ouvidas. %u201CNossa preocupação maior é com a proteção da criança, mas hoje conseguimos condenar mais também. Em 2009 76% dos ações geraram condenações%u201D,disse.
O Tribunal de Justiça de Rio Branco, no Acre, também adota o depoimento sem dano, desde novembro de 2009. Segundo o juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Romário Divino, este procedimento permite a humanização do atendimento da criança e do adolescente. %u201CEste tipo de depoimento é menos invasivo e traumático. Ela já está traumatizada e não quer reviver aquele momento várias vezes na frentes de vários inquiridores%u201D, afirmou.
Segundo Divino, em abril será criada uma vara especializada em julgar crimes contra a dignidade pessoal de crianças e adolescentes. hoje muitos processos caem na vala comum das varas criminais. O juiz afirmou ainda que um dos casos que mais evidenciaram a importância do método foi o de uma menina de 5 anos que sofria abuso por parte do padrasto. %u201CEle tocava em suas partes íntimas. Tentamos primeiro o método antigo, mas a menina ficou bloqueada e não falou. Com o depoimento sem dano a criança conseguiu se expressar%u201D.
Apesar de ser adotado em várias comarcas do país, o depoimento sem dano não é uma unanimidade. A psicóloga e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Sandra Amorim, considera importante a humanização dos depoimentos, mas salienta que existem equívocos na formato utilizado no país. %u201CTodo depoimento é traumático e falta um acompanhamento depois da audiência. Será ético induzir crianças a constituir provas?, indagou.
Ela discorda também da escolha de um psicólogo para ouvir a vítima. %u201CO psicólogo não é um inquiridor, para isso poderia ser preparado outro profissional. O conselho Federal de Psicologia é contra a atuação do profissional nestes termos%u201D, afirmou.
O juiz de direito da 4ª Vara Criminal de Florianópolis, Alexandre Moraes da Rosa, faz críticas mais enfáticas ao depoimento sem dano. Para ele, o próprio nome esta errado. %u201CO nome de depoimento sem dano é uma fraude. Não existe depoimento que não cause dano. Estão confundindo o direito das crianças de serem ouvidas com a obrigação de falarem%u201D, destacou.
Da Rosa crítica também a designação de uma psicóloga para fazer a inquirição. %u201CEstão terceirizando o trabalho sujo. Quem deveria fazer este papel são os juizes, mas são incompetentes não sabem inquerir. Falta capacitação%u201D, afirmou.